domingo, 25 de abril de 2010

As raízes de nossa dor

Os dois posts anteriores marcaram um dos pontos mais políticos aqui no Macaco Alfa. No primeiro post tentei o meu melhor, como de sempre, isso quer dizer "traduzir informações de livros e artigos científicos em linguagem acessível". Na questão específica do primeiro post (A Barbárie), quatro livros são a chave para entender o cerne do pessimismo, ou mesmo pela esperança de mudanças verdadeiras. As referências são:

Barber, BR., 2009. Consumido – Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Editora Record.

Foster, JB., 2005. A ecologia de Marx – materialismo e natureza. Editora Civilização Brasileira.

Lipovetsky, G., 2007. A felicidade paradoxal – Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Companhia das Letras.

Perrault, G. (Org.), 2005. O livro negro do capitalismo. Editora Record.

No segundo post (A Classe Média) está uma síntese da Classe Média brasileira escrita de forma brilhante pelo teólogo e escritor Frei Betto. Eu não conseguiria escrever algo melhor, achei o texto perfeito demais e pela primeira vez postei algo assim na íntegra aqui no Macaco Alfa.

Agora segue este terceiro post para encerrar esse assunto. Bem, aqui estou envolto a uma trilogia não planejada, cuja costura resulta em minha compreensão do mundo. Passei muito tempo de minha vida tentando entender de onde vinha aquilo que identificamos coletivamente como algo prejudicial às nossas vidas... A dor de todo mal.

De certo, entre tantas outras perguntas que me moveram na adolescência, essas eram as piores. O sentido da vida, de onde nós viemos, questões metafísicas como a vida pós-morte... Consegui um bom entendimento de tudo isso com boas leituras, reflexões e até através de minhas pesquisas no mundo dos animais. Entretanto, quando estou no Shopping e sou maltratado pela cor parda de minha pele, quando escuto às bravatas os discursos alienados contra trabalhadores explorados, quando até amigos falam sem parar de como é “bom viver no capitalismo” e sobre a “ditadura dos socialistas” sem terem lido nada, sem ao menos andarem de ônibus para o trabalho... Pode parecer simples, mas foi difícil de entender com precisão a origem, transformação e continuidade de todo esse mal.

Essa minha curiosidade não é uma questão apenas pessoal. Desde 2003 trabalho no interior do Ceará e aqui as coisas são diferentes de onde eu vim. Sou nordestino dos subúrbios do litoral, onde não há seca, onde a Música Urbana é verdadeira, onde proletários das fábricas não faltam por todos os lados.

Aqui hoje no interior do nordeste, quase não há grandes fábricas. A agricultura nem de longe reflete algo para ser classificado de agronegócio. Há muita prestação de serviço de um lado e do outro aposentadorias somadas aos programas de assistência social. Nesse contexto, eu também queria entender o porquê de alguns exultarem orgulho fora de medida em morar aqui, enquanto há, na mesma proporção emocional, uma vontade, e até a prática explícita, de morar nas capitais. Políticos, médicos e até professores universitários preferem ter moradia na capital e só virem aqui no interior para cumprir suas obrigações profissionais.

Nas palavras duras e diretas que já ouvi tantas vezes: “quem tem dinheiro, dinheiro mesmo, mora na capital, seu moço!”

Antes de prosseguir explico que êxodo humano por causa da seca não possui explicações naturais e simplistas. Para entender isso, precisei ler e descobrir que a tal “seca do nordeste” é uma de nossas catástrofes sociais e econômicos, como também foi a escravatura, extermínio dos nativos e outros horrores ligados à colonização. Aprendi com a leitura de textos do Dr. Frederico de Castro Neves (historiador e professor da Universidade Federal do Ceará) que não foi a irregularidade de água como a mídia me passou na década de 1980, foi algo pior e cujas consequências sociais estamos hoje enfrentando.

Sobre isso, peço gentilmente que leiam o texto abaixo (pgs. 77-80 retiradas de Neves, FC., 2007. A seca na história do Ceará. Pp. 76-102. In: Rocha, S. (Org.): Uma Nova história do Ceará. Edições Demócrito Rocha.):

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As Origens da Seca

Há registros de escassez de chuvas desde os mais remotos documentos sobre o território onde se localiza o Ceará. As tribos que habitavam essas terras, periodicamente transferiam suas aldeias para áreas mais úmidas ou próximas à orla marítima, muitas vezes provocando conflitos com outras tribos. Os primeiros colonizadores, pouco adaptados ao clima, viam-se em dificuldades quando ousavam atravessar o sertão em épocas de poucas chuvas. Mesmo assim, a ocupação do território se efetivou, especialmente com base na pecuária, que permitia uma certa mobilidade da “produção” durante as secas.

Até meados do século XIX, contudo, a irregularidade de chuvas que caracteriza o sertão não havia significado um problema tão grande para os setores dominantes. Pelo menos, as cidades e as instituições modernas do poder, estruturadas neste mesmo período, estavam a salvo das agruras da seca. As terras úmidas da periferia do semi-árido, abundantes e pouco povoadas, podiam ser ocupadas pelos grupos de sertanejos que perdiam as suas colheitas de subsistência e também pelo gado dos grandes proprietários. O Piauí e o Cariri eram as áreas mais procuradas por essas migrações periódicas. Muitos grandes proprietários possuíam terras nestas áreas como “reserva” para os tempos de escassez, quando o gado – bem mais valioso – poderia estar protegido.

O gado e a produção de subsistência predominavam na ocupação da terra até o início do século XIX. O algodão – uma planta xerófila que se adapta muito bem ao clima do semi-árido – somente veio fazer parte efetiva da produção sertaneja em meados do século. As primeiras tentativas de plantações algodoeiras datam do final do século XVIII, mas é no século seguinte – especialmente durante a Guerra de Secessão nos EUA (1861-1865) – que o algodão passou a fazer parte integrante e permanente da paisagem sertaneja.

Até então, os homens que habitavam essas terras semi-áridas organizavam-se em fazendas de criação em formas de produção em que a escravidão, se não foi inexistente, não teve o mesmo peso econômico e social que em outras áreas. Dividiam o tempo entre a lida com o gado e uma pequena cultura de subsistência, permitida pelos donos das terras, orgulhosos senhores que mantinham laços paternalistas – baseados na reciprocidade e na lealdade pessoal – com “seus moradores”.

A “quarta” – divisão de reses nascidas entre proprietário das terras e vaqueiros na produção de quatro para um – garantia uma possibilidade, embora remota, de ascensão social para os moradores, que cultivavam, especialmente, plantas de ciclo curto – milho, feijão e mandioca – que garantiam uma colheita rápida, apesar de frágil.

Essa agricultura não representava uma produção que conseguisse uma “reprodução ampliada”, um aumento contínuo das potencialidades produtivas que gerasse um excedente comercializável; mas, por vezes, se a regularidade de chuvas permitisse, alcançava uma “reprodução simples”, em que a família poderia subsistir, em sua pobreza, até o ano seguinte para a próxima colheita. A produção agrícola era, portanto, muito pouco integrada às regras do mercado. O objetivo dessa produção de tipo tradicional, pode-se dizer, era conseguir uma “segurança alimentar”, uma garantia de manutenção dos padrões de pobreza vigentes, ligados aos laços paternalistas de submissão, de lealdade e de proteção.

Em casos de uma eventual quebra desse ciclo, seja pela morte de um dos membros da família ou por uma praga na produção, esses laços, baseados também na caridade cristã, poderiam garantir a sobrevivência dos moradores subitamente levados à miséria. De certa forma, era dever do proprietário proteger os “seus” moradores durante um infortúnio.

A falta de chuvas no período regular, no entanto, destruía imediatamente essas colheitas e ameaçava o gado, desfazendo o círculo da produção tradicional. O proprietário da fazenda destacava alguns homens e deslocava seus bois para outras áreas onde o pasto podia ter-se preservado.

Os homens que ficavam tinham duas alternativas: ou migravam para áreas úmidas e resistentes à irregularidade de chuvas, sendo permitida a sua presença provisória por um beneplácito do proprietário, ou eram acolhidos pelo dono das próprias terras em que trabalhavam, muitas vezes habitando os currais abandonados e esperando sobreviver às custas da caridade do “coronel” e de sua esposa.

Essas alternativas eram difíceis, pois implicavam, tanto uma como outra, em um aprofundamento da submissão e da dependência. Ao mesmo tempo, a permanência deste sistema tornava a convivência próxima com a morte ou com a fome um forte elemento nas estruturas da cultura e religião, já que a mortalidade, tanto nos tempos de chuvas regulares quanto em tempos de seca, era (e é) muito alta.

Ao mesmo tempo, os trajetos migratórios eram árduos e pedregosos, cheios de perigos que vinham de várias origens: fome, doenças e crimes. Muitos animais também não agüentavam os rigores da “retirada” e sucumbiam nos caminhos, exaustos e famintos. As estradas, muitas vezes, transformavam-se em cemitérios a céu aberto.

Mas, apesar desse sofrimento, a escassez de chuvas ainda não representava um problema para o Estado brasileiro que se tornou independente em 1822. Era um fator climático localizado, que não afetava sobremaneira as estruturas do poder e da economia.

Essa situação mudou na metade do século XIX. Neste momento, uma série de fatores concorreu para o “fechamento” das terras disponíveis para a “retirada” dos homens e do gado.

A ocupação das terras próximas ao semi-árido por uma agricultura comercial tem dois momentos de intensificação: 1) a valorização das terras como bem econômico, provocada pela Lei de Terras de 1850, que, ao mesmo tempo, retirou das tribos indígenas remanescentes o controle de algumas áreas protegidas por aldeamentos; 2) o impressionante avanço da cultura algodoeira por toda a província do Ceará, motivado pelo súbito aumento de preços no mercado internacional em função da Guerra de Secessão nos EUA.

Esse avanço de uma agricultura comercial, sedentária, que buscava um excedente mercantil, tornou subitamente impossível a “retirada” dos moradores para terras mais úmidas durante os períodos de irregularidade de chuvas, pois elas não estavam mais “disponíveis” para isso, ocupadas agora com a cultura do algodão e valorizadas monetariamente. A proteção paternalista, devido à dimensão da população que a demandava, tornou-se insuficiente, deixando sem alternativas de sobrevivência uma população de centenas de milhares de pessoas.

Esse foi, contudo, um período de chuvas regulares: entre 1845 e 1877, anos em que as mudanças se intensificavam velozmente, os invernos regulares se sucediam, amenizando ou ocultando os efeitos perniciosos que essas transformações iriam ter sobre as populações do sertão. Por isso, o ano de 1877 se tornou um marco na compreensão do problema da seca e o impacto causado pelas cenas que então se desenrolaram fixou-se profundamente na cultura. Neste momento, a irregularidade de chuvas deixa de ser “apenas” uma questão climática para se tornar uma questão social, que a todos afeta e que o Estado brasileiro não poderá ignorar.

De fato, inaugura-se neste instante a seca tal qual a entendemos hoje: miséria, fome, destruição da produção, dispersão da mão-de-obra, invasões às cidades, corrupção, saques... (Neves, 2007).

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Centenas de milhares de pessoas chegaram às capitais. Milhares de pessoas chamadas de “invasores”, “retirantes” e “flagelados”. É esse povo que irá primeiro ser confinado em Campos de Concentração (só em 1932 foram criados sete apenas no Ceará: Crato, Cariús, Quixeramobim, Ipu, Senador Pompeu e dois em Fortaleza). Depois milhares de pessoas foram enviadas para os seringais amazônicos em 1942 (os seringueiros são nordestinos em sua origem). Daí então surgiu o banditismo por uma questão de classe, como canta Chico Science, no cangaço do sertão e nas "favelas" no sudeste.



A Favela (Cnidoscolus phyllacanthus, família Euphorbiaceae) é uma planta do sertão! Em meio aos conflitos de Canudos (1896-1897), os morros ocupados pelos soldados repletos dessa planta xerófila, entre a miséria, cuja semelhança levou nome aos morros no Rio de Janeiro. Claro, sem simplificar demais, lembrem-se que há uma massa de milhares de ex-escravos, pessoas que foram jogadas à própria sorte junto com os nordestinos da "seca", removidos e concentrados nas periferias. Lembrem-se ainda, o “Bota-Abaixo” dos cortiços no centro do Rio de Janeiro realizado pelo prefeito Pereira Passos entre 1902-1906... levou outros milhares e milhares de pessoas para as periferias.

Isso é passado?

Vejamos a seguinte nota recente na Revista IstoÉ:

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O Triste mapa da violência no Brasil

Foram divulgados na terça-feira 30 os dados do mapa da Violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil. Os números fazem parte de uma triste realidade: de 1997 a 2007, o país registrou 512.216 assassinatos. Outra informação alarmante: o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 130% maior do que o de um jovem branco. O estudo também alerta para a interiorização da violência. No interior dos Estados, as taxas cresceram de 13,5 homicídios (a cada 100 mil habitantes) em 1997 para 18,5 em 2007. Em entrevista à IstoÉ, Júlio Jacobo, autor do estudo explica: “houve uma melhora da eficiência policial nas capitais. Mas o interior cresceu com o fluxo migratório das grandes cidades. Se não forem colocadas barreiras, a tendência natural é de crescimento da violência” (IstoÉ, 7 abril 2010, pg. 27).

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Siga o mesmo raciocínio: as enchentes e os deslizamentos com mortes... são culpa das pessoas que jogam lixo no chão e que “preferem” morar em morros?

Sei que tenho amigos que estão mais preocupados com o futuro do tigre, do panda... da já extinta ararinha azul, pior ainda, se o buraco da camada de ozônio vai aumentar novamente. Mas é por essas e outras histórias e a própria história em si, que não me deixam sorrir, ou ser otimista.

Ou se enfrenta de verdade nossos problemas... ou tudo não passa de cinismo!

É fechar as portas de casa, aumentar o muro, implantar cercas eletrificadas, subir os vidros dos carros e, para quem acredita em seres metafísicos com poderes sobrenaturais, rezar bastante!!!

Nunca foi tão necessário escolhermos: [clique] socialismo ou barbárie?

quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Classe Média

8 DE MARÇO DE 2010 - 0H47
Frei Betto: radiografia da classe média num país injusto
A população brasileira é, hoje, de 190 milhões de pessoas, divididas em classes segundo o poder aquisitivo. Pertencem às classes A e B as de renda mensal superior a R$ 4.807 – os ricos do Brasil.

Por Frei Betto, no Correio da Cidadania

R$ 4.807 não é salário de dar tranquilidade financeira a ninguém. O aluguel de um apartamento de dois quartos na capital paulista consome metade desse valor. Mas, dentre os ricos, muitos recebem remunerações astronômicas, além de possuírem patrimônio invejável. Nas grandes empresas de São Paulo, o salário mensal de um diretor varia de R$ 40 mil a R$ 60 mil.

Análise recente da Fundação Getúlio Vargas, divulgada em fevereiro último, revela que integram esse segmento privilegiado apenas 10,42% da população, ou seja, 19,4 milhões de pessoas. Elas concentram em mãos 44% da renda nacional. Muita riqueza para pouca gente.

A classe C, conhecida como média, possui renda mensal de R$ 1.115 a R$ 4.807. Tem crescido nos últimos anos, graças à política econômica do governo Lula. Em 2003 abrangia 37,56% da população, num total de 64,1 milhões de brasileiros. Hoje, inclui 91 milhões – quase metade da população do país (49,22%) – que detêm 46% da renda nacional.

Na classe D – os pobres – estão 43 milhões de pessoas, com renda mensal de R$ 768 a R$ 1.115, obrigadas a dividir apenas 8% da riqueza nacional. E na classe E – os miseráveis, com renda até R$ 768/mês – se encontram 29,9 milhões de brasileiros (16,02% da população), condenados a repartir entre si apenas 2% da renda nacional.

Embora a distribuição de renda no Brasil continue escandalosamente desigual, constata-se que o brasileiro, como diria La Fontaine, começa a ser mais formiga que cigarra. Graças às políticas sociais do governo, como Bolsa Família, aposentadorias e crédito consignado, há um nítido aumento de consumo. Porém, falta ao Bolsa Família encontrar, como frisa o economista Marcelo Néri, a porta de entrada no mercado formal de trabalho.

Dos 91 milhões de brasileiros de classe média, 58,87% têm computador em casa; 57,04% frequentam escolas particulares; 46,25% fazem curso superior; 58,47% habitam casa própria. E um dado interessante: o aumento da renda familiar se deve ao ingresso de maior número de mulheres no mercado de trabalho.

Já foi o tempo em que o homem trabalhava (patrimônio) e a mulher cuidava da casa (matrimônio). De 2003 a 2008, os salários das mulheres cresceram 37%. O dos homens, 24,6%, embora eles continuem a ser melhor remunerados do que elas.

Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o governo Lula tirou da pobreza 19,3 milhões de brasileiros e alavancou outros 32 milhões para degraus superiores da escala social, inserindo-os nas classes A, B e C. Desde 2003, foram criados 8,5 milhões de novos empregos formais. É verdade que, a maioria, de baixa remuneração.

No início dos anos 90, de nossas crianças de 7 a 14 anos, 15% estavam fora da escola. Hoje, são menos de 2,5%. O aumento da escolaridade facilita a inserção no mercado de trabalho, apesar de o Brasil padecer de ensino público de má qualidade e particular de alto custo.

Quanto à educação, estão insatisfeitas com a sua qualidade 40% das pessoas com curso superior; 59% daquelas com ensino médio; 63% das com ensino fundamental; e 69% dos semi-escolarizados (cf.
A Classe Média Brasileira, Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, SP, Campus, 2010).

A escola faz de conta que ensina, o aluno finge que aprende, os níveis de capacitação profissional e cultural são vergonhosos comparados aos de outros países emergentes. Quem dera que, no Brasil, houvesse tantas livrarias quanto farmácias!

Hoje há mais consumo no país, o que os economistas chamam de forte demanda por bens e serviços. Processo, contudo, ameaçado pela instabilidade no emprego e o crescimento da inadimplência – a classe média tende a gastar mais do que ganha, atraída fortemente pela aquisição de produtos supérfluos que simbolizam ascensão social.

A classe média ascendente aspira a ter seu próprio negócio. Porém, o empreendedorismo no Brasil é travado pela falta de crédito, conhecimento técnico e capacidade de gestão. E demasiadas exigências legais e trabalhistas, somadas à pesada carga tributária, multiplicam as falências de pequenas e médias empresas e dilatam o mercado informal de trabalho.

Embora a classe média detenha em mãos poderoso capital político, ela tem dificuldade de se organizar, de criar redes sociais, estabelecer vínculos de solidariedade. Praticamente só se associa quando se trata de religião. E revela aversão à política, sobretudo devido à corrupção.

Descrente na capacidade de o governo e o Judiciário combaterem a criminalidade e a corrupção, a classe média torna-se vulnerável aos "salvadores da pátria" — figuras caudilhescas que lhe prometam ação enérgica e punições impiedosas. Foi esse o caldo de cultura capaz de fomentar a ascensão de Hitler e Mussolini.

Reduzir a desigualdade social, assegurar educação de qualidade a todos e aumentar o poder de organização e mobilização da sociedade civil, eis os maiores desafios do Brasil atual.

* Frei Betto é escritor, autor de Calendário do Poder (Rocco), entre outros livros.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A Barbárie

Se um dia alguém chegar aqui neste blog e começar a passar seus olhos por essas palavras eu peço que fique por mais alguns minutos, por favor! Continue caminhando com suas órbitas oculares e deixe essas palavras ganharem voz e vida em você.

Eu fiz isso, percorri palavras de um livro chamado Barber, BR., 2009. Consumido - Como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Editora Record. Ao fazer isso, “ouvi com meus olhos” (na verdade com o cérebro, claro) as palavras de Benjamin R. Barber, teórico político norteamericano e defensor do capitalismo. Ah! Não do capitalismo atual de consumismo pelo consumismo, com seu núcleo de expressão nos EUA, mas de um tipo de retorno ao “etos protestante”, ou mesmo pela mais pura admiração a obra de Max Weber.

Bem, concordo em grande parte com os seis primeiros capítulos desse livro. Escrevo até que o livro é genial e não vai deixar você respirar até terminá-lo. O capitalismo de consumo é a fase de deterioração de toda natureza humana. A vida para quem pode comprar coisas passou a ser determinada por isso. As pessoas passaram a ser escravas de marcas de fantasia sem qualquer vínculo com suas necessidades reais. “Vestir carrões”, porque o carro é você, ter um tênis de marca famosa, porque a marca reflete esporte, saúde e juventude... Nada disso é real de verdade. Automóveis são máquinas de transporte e roupas são vestes. As fantasias humanas de consumo são loucuras de um primata que perdeu seu lugar na natureza. Um macaco alienado!

Tudo isso você encontrará em Barber (2009). Entretanto, eu ando muito incomodado com outras coisas. Vejamos, quem não lembra no início desta década o quanto estávamos (e ainda estamos) assustados com o aumento da violência? Lembram da análise feita e amplamente divulgada pela mídia? O culpado pela violência são as pessoas que compram armas, estas mesmas armas ao invés de prevenir contra crimes, acabavam nas mãos dos “marginais”. A solução? Criamos o Estatuto do Desarmamento (Lei 10826 de 22 de dezembro de 2003) e lá fomos nós todos envolvidos em uma campanha nacional para entregar as armas domésticas. Sete anos após isso, o crime diminuiu? Olhem só para a foto abaixo e respondam se uma arma doméstica faria isso:

Escrevo em caixa alta para não ser confundido ou mal interpretado: EU NÃO DEFENDO ARMAS EM CASA, EU NÃO TENHO E NÃO VOU COMPRAR ARMA ALGUMA, EU DEFENDO A PAZ PARA TODOS!

Ok, mas onde eu quero chegar então? Simples, o discurso falso e covarde que uma sociedade de pequenos burgueses faz para fugir as suas responsabilidades e continuar em seu mundinho inalterado e tranqüilo, pelo menos assim o desejam.

Vejam as fotos abaixo:

Milhões de pessoas mergulhadas na pobreza, milhões de pessoas como eu e você agredidas por duas ações danosas: (1) a falta de tudo (necessidades reais de sobrevivência e cidadania) e (2) o bombardeio da propaganda que gera necessidades falsas e símbolos do glamour consumista. Na falta de tudo, isso, claro, inclui a educação... PRESTE BASTANTE ATENÇÃO NISSO, SEM EDUCAÇÃO = MERGULHAR EM MUNDOS MÍSTICOS TÍPICOS DOS CLÃS PLEISTOCÊNICOS.

Primeiro, quando escrevo educação, não são apenas as escolas caindo aos pedaços com professores mal remunerados (o que ainda é comum no Brasil). Educação interpreto aqui como ter consciência do porquê das coisas, ter o mínimo de conhecimento sobre história, política e ciência. Isso constrói uma visão de mundo! Ou seja, sem conhecimentos básicos, esse “ser-no-mundo” continuará vivo, tentando compreender por que a vida é o que é e, mais ainda, qual o seu objetivo.

Preste atenção em você agora! Lembre-se que sua cognição é tão grande que vez por outra você se pega falando com objetos! A televisão com defeito, o livro que abraça com carinho, ou a porta que chuta com raiva. Sua cognição é tão flexível que você pode literalmente amar o seu carro até mais do que outras pessoas... Afinal, tem gente que espanca e mesmo mata outra por causa de um arranhão, ou amassado na lataria de seu automóvel. Tudo isso não possui vida, tudo isso não irá responder aos seus sentimentos.

Segundo, a propaganda faz parte do narcisismo capitalista, onde os negócios comandam gastos libertinos em falsos desejos, enquanto ignoram as reais necessidades humanas. Somos o que compramos – somos as marcas que consumimos. Comprar e consumir não são um aspecto do comportamento, mas definidores do significado da vida (Barber, 2009).

Muito bem, vamos costurar tudo agora. Milhões de pessoas ignoradas na miséria, entregues à sua própria sorte (incluindo sua cognição estendida que cria mundos místicos, muitos messiânicos e paternalistas), agredidas pelos outdoors e comerciais de pessoas brancas felizes em seus condomínios de luxo, dirigindo tanques urbanos, identificadas por símbolos de falso glamour e, nos casos extremos, literalmente comendo ouro com sorvete!

Agora vamos ao cerne das coisas, ok! A classe média é justamente isso: um etos de covardia e falsa propaganda! Primeiro porque sabe tudo que está errado. Uma educação básica deixa todo mundo sabendo que enquanto houver concentração de renda, a miséria de milhões é a origem da violência e destruição do meio ambiente.

Mas, o que vemos na TV, jornais e conversas nas ruas é um contra-senso. A violência é culpa dos cidadãos que compram armas, as enchentes são culpa das pessoas que jogam lixo no chão, o clima está mudando porque usamos sacolas plásticas, ou mesmo ligamos aparelhos eletrônicos. A culpa é minha, a culpa é sua... Nós sabemos disso! Nós sabemos de toda a miséria, dor e desamparo que causamos a milhões de pessoas... das alterações das condições climáticas e recursos naturais essenciais para nossa existência . Todavia, preferimos nos enganar, tipo, “vamos apagar as luzes por MINUTOS para dizer que queremos um mundo melhor!” Ou outra tolice “ hoje [e apenas hoje] eu não vou usar meu carro por um mundo melhor!”

Covardes! Mentirosos! Todos vocês! O dia inteiro, ano após ano, não há descanso ou pausa para o que fazem. Matam destroem tudo com seus hábitos, trancam-se em condomínios de luxo, fazem o chão tremer com seus SUVs, privatizam a saúde pública e acham que minutos com as luzes apagadas está bom para suas consciências?! Olhem mais fotos do que é real:

Isso não irá parar de crescer!!! Sobretudo no mundo capitalista atual.

Voltemos para as duas forças que estão agindo agora nessa massa de milhões de pessoas. Sem educação, o mundo místico toma conta de todas as explicações possíveis. Da alienação vêm as legiões de fanáticos e explodem em nossas portas, basta ter acesso às armas certas e o Jihad vem aí. Afinal, qual é o motivo para os EUA estarem tão dedicados contra o Irã não se tornar uma força atômica? Por que esse interesse pela paz simplesmente não se reflete na extinção de seu próprio armamento nuclear?! Ou por que não há a mesma pressão para todos os países que já são potências nucleares?! É ingênuo pensar assim, não é?! Afinal, império é império, conhecemos a história das políticas e ações (guerras) necessárias para se manter no poder de dominação de outras nações.

O mesmo serve para tudo mais, queimadas, lixo nas ruas, efeito estufa. É de responsabilidade coletiva, de controle coletivo com política de controle realizada pelo estado. Por mais que desejemos individualmente um mundo melhor. A infraestrutura das cidades, transporte coletivo, saúde pública (inclui saneamento), educação, uso racional de recursos não-renováveis, propaganda e marketing e produtos industriais. Tudo isso deve ser controlado por nós coletivamente e nós somos o estado sócio-econômico que construímos.

Se entregarmos o nosso bem estar coletivo nas mãos de desejos individuais sem controle, teremos nosso atual mundo com seus problemas graves e mais a alienação, a infantilização e a destruição da cidadania.

"É proibido proibir"! Ok, mas sem um controle coletivo, nós como indivíduos raramente produziremos uma sociedade saudável. Vejamos, os chimpanzés regulam uns aos outros em sistema de altruísmo recíproco, um “toma-lá-da-cá”, compartilhamento e uso dos recursos. Um macaco egoísta que não divide sua comida e que age apenas para si, terá poucas chances no grupo que é formado por indivíduos cooperativos recíprocos. Em outras palavras, muitas vezes é surrado e expulso do grupo... Caso contrário, não haveria grupo algum formado por chimpanzés egoístas. Viver em grupo para nós símios é prioridade de sobrevivência. Detectar e punir individualistas está em nossa natureza.

Como já escrevi antes aqui, vivemos em um sistema que é contra a nossa natureza humana de empatia, solidariedade e preservação de nosso meio ambiente. As ações individuais de apagar a luz por minutos, não dirigir por um dia, não usar sacola plástica em uma única compra... São apenas desculpas que usamos para aplacar nossa consciência contra todo o mal que sabemos que estamos fazendo.

Digamos que não estamos dispostos a sacrificar nossas vidas para um bem maior. Sacrificar mesmo, em uma revolução de verdade! Nosso povo está mergulhado em alienação de massas, em meio a um sistema sem pátria de consumismo fantasioso e devastador. Ao olhar de frente para essa realidade, esse abismo monstruoso que aumenta dia a dia, muitos já se preparam para o mundo que estamos construindo.

Um mundo que está trancado em condomínios de segurança máxima. Contra o quê? As milhões de pessoas como eu e você que chegam a serem vistas como um exército sem fim e sem controle, de "mortos vivos canibais" do capitalismo sempre à espreita, sempre batendo às portas dos ricos e afortunados!

Vamos controlar as massas com violência... Se precisar, com o exército e todas as suas armas.

Vamos puxar o gatilho de quem já vive fora de nosso mundo de consumo. Afinal, são excedentes descartáveis do sistema.

Chega de conversa fiada sobre “carros econômicos”, nesse novo mundo é bom andar blindado... Ou vocês acham que já não fabricamos carros para andar nas ruas em plena guerra civil?

Isso é a Bárbarie, isso é o mundo que nós vivemos hoje!

Isso lhe faz feliz?!

Como podemos educar nossos filhos na intenção de sermos um tipo de Sarah Conner, mas na prática somos os T-800 Exterminadores do Futuro?!

Os minutos que você apagou a luz na sua casa por um mundo melhor resolverá?

Essas palavras absurdas, escritas por um tolo, cheias de som e fúria... também não valem à pena sem ação!

Isso tudo compõe a barbárie, isso é o mundo que nós vivemos hoje! E não vai parar, não vai partir, não obedece a sonhos, desejos passivos e necessidades.

Se tudo continuar do jeito que está, não há deuses ou demônios que nos salvem de nós mesmos.

VIVER, SOFRER E MORRER... NO CAPITALISMO SELVAGEM E NA BARBÁRIE!!!


Leia também: [clique] Barbárie ou socialismo?
 
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