terça-feira, 9 de março de 2010

Diálogos: Olavo e Noumenon

Aqui segue um pedacinho de um ensaio para meu livro de contos. Já fiz tanta propaganda neste blog que um amigo meu falou certo dia: por que você não escreve logo isso e para de falar?! Bem, tenho dado muitas desculpas e a pior delas é uma mentira para mim mesmo de que tenho de terminar afazeres acadêmicos. Compreendi que estava mais em algum tipo de crise de meia idade, ou algo assim. Nesses momentos de transição profissional no qual nos chocamos com o que fazemos e o que desejamos fazer.

Apresentei o personagem principal deste diálogo sem grandes detalhes no post:

http://macacoalfa.blogspot.com/2009/03/discriminados-epilogo.html

Olavo é um funcionário do INSS, tem lá seus 45 anos de idade, vive uma vida normal. Bem, não tão comum assim, ele é o Roquentin brasileiro. Ao invés de historiador, funcionário público. Ao invés da náusea pelo existencialismo, ele encara as cruezas e belezas da vida centrada em ciência e tecnologia. Claro, dessas características a que gosto mais é a da contextualização com nosso dia a dia. Olavo sou eu, você, aquele padeiro da esquina... Qualquer um que despertou para os aspectos materialistas e os detalhes das infinitas formas de grande beleza (seres vivos).

Segue então um pequeno encontro de Olavo consigo mesmo (Noumenon).

-------------------------------------------------------------------------------------------------
Após tomar banho e comer uns biscoitos com café lá estava Olavo sentado à beira de sua cama, no canto do quarto. Ele busca algo com grande esforço. Procura não pensar em nada e esvaziar sua mente completamente. Isso ele leu em um livro há muito tempo atrás de um autor chamado Krishnamurti. Desapegar-se de tudo, ficar vazio para ter idéias novas, contemplar o Nada Absoluto, desprender-se das paixões do ego e todo o marketing comercial que traz desejos e preocupações artificiais. Olavo sempre tentou isso, leva quase uma hora procurando silenciar sua mente... Quando tudo parece correr bem, eis que uma voz se faz presente:

Noumenon – Olá!

Olavo – Oi! Pensei que não ouviria você hoje!

Noumenon – Isso é possível?!

Olavo – Bem, você sou eu! É a voz de mim mesmo, aquele algo que li ser chamado de voz interior, consciência e pelo diálogo que travo com você agora, também um tipo de loucura... Esquizofrenia, correto?!

Noumenon – Você não é doente por conversar consigo mesmo, Olavo! Esquizofrênicos são diferentes. Eu sou você, sei o que sabes e na memória de suas leituras há algumas coisas de psicologia. Você não é louco!

Olavo – Muitas pessoas pensariam diferente, conversar consigo mesmo não é lá um hábito que é comentado por aí, sabia?

Noumenon – Mas todos fazem, em diferentes graus, mas fazem. Ademais, se olhassem para você agora, aí parado, sentado no canto das coisas, perguntariam o porquê desse silêncio profundo e dos seus olhos fixos na parede.

Olavo – Silêncio? Olha aqui você tagarelando em minha mente! Bem dera eu, conseguir silêncio absoluto!

Noumenon – Por que você deseja isso?

Olavo – Há coisas perturbadoras que preciso entender. Eu preciso, mesmo não sabendo bem a origem dessa necessidade.

Noumenon – Por favor, um exemplo!

Olavo – Que tal imagens? Você é minha mente, está em um lugar privilegiado para uma apresentação. Digo, não é necessário ter recursos audiovisuais convencionais, é só pensar em imagens e você as verá. O primeiro datashow cerebral da história!!! [rsrsrsrs]

Noumenon – Hmmm!!! Gostei do humor, manda as imagens.

Olavo – Estrelas nascem:
Olavo – Estrelas morrem:

Olavo – Isso é minha memória de fotos, não é algo que inventei, ou um quadro que quis pintar. Isso é uma realidade.

Noumenon – A matéria tem suas propriedades, você gosta de ler sobre isso. Essas coisas são comuns na literatura que nos alimenta.

Olavo – Ok! No ensino médio meus colegas de sala de aula tratavam os livros como receitas para decorar e conseguir passar nas provas. Mas, eu percebi que havia algo mais lá. Eu descobri porque o céu é azul, entre tantas outras coisas!!! Isso através de simples leitura sobre ciências ao nível ginasial, aquele básico para cidadãos comuns. Desde então, após leituras um pouco mais profundas (digo com mais detalhes), o mundo para mim passou a ter cores e detalhes muito mais encantadores. Uma poesia da realidade!

Noumenon – Isso deveria lhe fazer feliz!

Olavo – Felicidade é um conceito exclusivamente humano. A vida não precisa disso, é plena na manifestação de si própria enquanto fenômeno da matéria.

Noumenon – Não entendi! Faz ou não você feliz e o que isso tem haver com o nascimento e morte de estrelas?

Olavo – Que bom ter alguém para falar disso! Eu quis dizer que felicidade são perspectivas psicológicas. Por exemplo, a área de pesquisa chamada de neuromarketing estuda meios de transformar coisas sem sentido, um produto qualquer (mesmo sem qualquer vínculo com bem estar, alimentação, saúde essas coisas) em necessidades. Saciar essas necessidades mentirosas está no âmago do capitalismo atual do consumo pelo simples consumo.

Olavo – Por isso, verdades que descobrimos não devem ser interpretadas assim: “dar felicidade, ou não”.

Noumenon – Foi Francis Bacon ou Spinoza que pensava justamente o contrário do que você está falando?

Olavo – Procura no Google!!! [rsrsrsrsrs]

Noumenon – Engraçadinho!!! É, acho que tens esquizofrenia mesmo!

Olavo – Quis dizer, não importa se alguém escreveu algo contrário. Também isso não quer dizer que minha palavra seja a última sobre isso. Apenas que é aquilo que concordo. Ao contemplar o pouco que sei, eu concordo que a ciência é o caminho da verdade e essa, às vezes, pode nos desafiar naquilo que desejamos.

Noumenon – Sou parte de você e tenho que concordar, caso contrário como poderíamos viver juntos?

Olavo – Para minha voz interior que sabe todos os detalhes de tudo do pouco que sei, você às vezes me decepciona. Vivemos juntos, mesmo que parte de mim não aceite tudo como é. Preciso da dúvida comigo! Você é essa parte do que sou.

Noumenon – Minha função é desafiar você e a mim mesmo!

Olavo – Isso! O meu amigo imaginário quando adulto![rsrsrsrs]

Noumenon – Não exagera, Olavo!

Olavo – Ok! Tenho humor, até em situações como essa. Perdido em solidão, conversando comigo mesmo.

Noumenon – Além das estrelas, intrigou-me você falar que a ciência desafia o que desejamos...

Olavo – Bem, por exemplo, desejamos simplesmente não desenvolver doenças ou sermos infectados por um agente biológico! Simples, né?! Nesse caso, todos ficam felizes quando a ciência encontra respostas práticas para findar esses males. Por outro lado, a análise de como tudo isso acontece nos traz um mundo fora de nosso controle. Mais ainda, esse mesmo mundo se não é indiferente à nossa existência, constitui um lugar onde somos apenas mais uma forma de vida entre bilhões e bilhões de outras. Nós desejávamos o contrário! Desajávamos que fôssemos especiais, o centro de tudo o que existe... E isso não ocorreu segundo nossos desejos e fantasias!

Olavo – Há também o maior de todas as aspirações humanas: não morrer. Li como descobriram a origem do processo da morte. Logo quando surgem a multicelularidade e o sexo. A morte é realmente uma doença sexualmente transmissível!!! O que sabemos hoje é que nós e todos os outros seres multicelulares (salvo raras exceções) morremos. Isso não é um problema para um celenterado, mas devido à nossa tal "complexidade" cognitiva, amamos tanto a nós mesmos, outras pessoas e aspectos do que somos... Que não gostamos da idéia disso tudo ter um fim absoluto! Nesse sentido, a ciência não tem uma carta ofício assinada de comprometimento com desejos e felicidade na ausência da dor humana.

Noumenon – É um assombro para mim fazer coro com você nesse seu momento de silêncio. Deveríamos ouvir tantas pessoas conversando sobre isso no dia a dia, não acha?

Olavo – E eis aqui as estrelas! Por que não consigo conversar com quase ninguém sobre quasares, nebulas, buracos negros e supernovas? Por que o dia inteiro eu só ouço falar de novelas, relações pessoais e aspirações de consumo?

Noumenon – Suas perguntas são dignas de um pequeno burguês!

Olavo – Você sabe que astronomia não é o centro de minhas preocupações e que não me esqueço da luta de classes. Pequeno burguês é aquele da “classe média” que até tem como sobreviver sem passar por grandes privações, mas está centrado em tudo o que é artificial e covarde. Não possui nenhuma conexão social e mesmo seus laços religiosos estão em função de atender às “necessidades” criadas pelo marketing. Um tipo de “Deus me ajuda a comprar um carro”!!!

Noumenon – Amém!!!

Olavo – Agora é você o engraçadinho aqui, né?!

Noumenon – Lembro de novo, eu sou você, monstro!!!

Olavo – É isso aí!!! Eu tenho que voltar para a vida comum! Vou sair por aí e quebrar o silêncio desse nosso diálogo. Afinal, conversar comigo mesmo é muito chato.

Noumenon – Por isso a mente gera sonhos! Estes são a expressão máxima de minha voz, dos delírios, da loucura e todas as associações que você não conseguiria fazer estando consciente.

Olavo – Verdade! Gosto mais de conversar com você nos meus sonhos, mas hoje estou sem um pingo de sono.

Noumenon – Algum motivo que cause essa insônia?

Olavo – Estrelas morreram hoje, Noumenon! Eu não consigo parar de pensar nisso! Pensar que eu nem olhei para os céus, porque estava tão ocupado no trabalho. Aquele serviço de balcão, onde encontro tanta gente preocupada com sua aposentadoria, com dinheiro, com elas mesmas aqui neste mundo de fantasia que nós humanos insistimos em perecer.

Noumenon – Nós, os chimpanzés do Pleistoceno!

Olavo – Nós que somos o clichê dos clichês entre os primatas!!!

Depois disso, o que não era silêncio na mente de Olavo, transformou-se em uma multidão de pensamentos. Vestiu-se adequadamente, foi até o carro e encontrou os amigos no barzinho. Dos movimentos corporais até a escolha da cerveja, sua atenção e mente foram sendo absorvidas pelos aspectos do comum. Risos e muita conversa sobre futebol, notícias de telejornal e coisas do trabalho. Ninguém percebeu, mas entre uma pausa e outra no bate papo, Olavo estava sempre olhando para os céus. Alguns acharam meio estranho, porque os céus da noite estavam límpidos e estrelados... Ele não deveria estar preocupado se iria chover!

Sabemos que Olavo não estava preocupado com a possibilidade de chuva, porque ele tinha razão, estrelas nasceram e outras morreram naquela noite!!!

------------------------------------------------------------------------------------------------

2 comentários:

Unknown disse...

Ao ler seu texto, lembrei-me de Gramsci:

"A possibilidade não é a realidade, mas é, também ela, uma realidade: que o homem possa ou não possa fazer uma determinada coisa, isto tem importância na valorização do que realmente se faz.
Possibilidade quer dizer 'liberdade'.

A medida da liberdade entra na definição de homem. Que existam as possibilidades objetivas de não se morrer de fome e que, mesmo assim, se morra de fome, é algo importante , ao que parece.
Mas a existência das condições objetivas - ou possibilidade, ou liberdade - ainda não é suficiente: é necessário 'conhecê-las' e saber utilizá-las.

Querer utilizá-las. O homem, neste sentido, é vontade concreta: isto é, aplicação efetiva do querer abstrato ou do impulso vital aos meios concretos que realizam esta vontade."
Concepção Dialética da História - Antonio Gramsci

Waltécio disse...

Olá Camarada,

Já escrevi antes, mas como o post é novo, devo incluir esse comentário também a ele. Todos os textos dos diálogos são baseados em acontecimentos reais. Aqui, inclui cenas fictícias, mas centradas em momentos que vivi.

Olavo está para mim, como Roquentin está para Sartre. Da mesma forma que há partes reais nele, há também de ficção.

Você sabe, na maioria das vezes em meu dia tento me conectar a problemas e coisas de verdade. Muito embora, vários de nossos amigos nem percebem o quanto estão longe de aspectos dessa natureza em suas vidas. Falam do fogão que devem comprar, dos artigos a serem publicados (de todo jeito e sem paixão científica alguma), a novela das oito... Não escuto nenhuma crítica literária! Parece que quase ninguém ler pelo menos um bom romance.

Agradeço seu comentário, mais ainda pela citação a Gramsci! As possibilidades reais estão aí e nós somos os únicos responsáveis pela vida coletiva que temos.

Ah! Mudando um pouco de assunto. Li na parte de "frases" na IstoÉ desta semana a seguinte colocação de Mel Gibson:

"Quando se percebe que metade da vida se foi, não se quer mais fazer certas coisas. Prefiro pescar a fazer um filme que não me serve de nada".

Idem para mim nos artigos científicos, outros aspectos de minha vida acadêmica e essas preocupações de consumismo alienado!

Flw,

W.

 
BlogBlogs.Com.Br