domingo, 21 de março de 2010

Diálogos: Epílogo - "Keep Talking"

Um vendedor de lanches na fila de um banco, uma criança em um estádio de futebol, um funcionário público perdido em si mesmo e uma Milena inesperada. Esses foram os personagens protagonistas dos Diálogos que selecionei entre encontros reais, mesmo que em síntese e liberdade poética. Todos unidos por assuntos sobre a importância da ciência, aplicação de conhecimento ao nosso dia a dia e inspirações ora profundas, ora sensíveis sobre a vida e a matéria.

Ao fim da série Diálogos só posso escrever que eles nunca terminarão de fato. Afinal, somos seres humanos e temos a linguagem falada como um dos pontos chaves do que somos. Por isso, cantamos e "continuamos falando" (Pink Floyd – "Keep Talking"):



Na prática de verdade... Nós brasileiros estamos muito além do que necessitamos como cidadãos. Temos uma megadiversidade ainda para ser satisfatoriamente descrita, melhorias na saúde, infraestrutura e... há nosso descaso secular com a educação. Como poderemos dialogar com nossos cidadãos sobre os pontos aqui apresentados se remuneramos mal nossos professores e restringimos quase na forma de um apartheid o acesso ao ensino superior?!

Construir hospitais, escolas, creches, esgotos, pontes e estradas? Sim, sim! Mas... Na mesma proporção precisamos dos professores e os frutos deles para que isso seja possível. Precisamos formar mais médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, odontólogos, engenheiros, biólogos, químicos, policiais... Todo um país!!!

Não há nada sem a formação de nosso povo! É, eu sei que ouvimos isso todos os dias, mais um clichê, não é?! Todavia, verdades são assim mesmo, batem nas nossas portas até um dia entrarem definitivamente em nossas vidas.

A China foi a civilização à frente de todos os povos a mais de dois mil anos antes de Cristo. Com o passar do tempo em sua rica história milenar a China passou por várias fases. Na mais recente, estamos todos surpresos porque vemos seu atual desenvolvimento atrás apenas dos Estados Unidos e União Européia. Mais ainda, estima-se que nas próximas duas décadas a Grande China poderá ser a maior potência do mundo! Como isso pode ser assim?! Só na China continental, há algumas décadas havia fome e analfabetismo em massa! Tudo mudou a partir das reformas que se iniciaram em 1978, entre elas, obviamente estava a educação como agente estratégico: "As melhores universidades chinesas agem decididamente na atualização da infra-estrutura e do conjunto de capacidades, estabelecendo para tanto parcerias com instituições e empresas ocidentais e requisitando ativamente docentes diplomados no exterior. (...) Hong Kong se orgulha de suas oito universidades, mais do que o dobro das três existentes no final da década de 1970. Essas universidades, algumas de padrão mundial, exercem um papel fundamental na qualificação dos recursos humanos da China; é cada vez maior o número de estudantes da China continental nelas matriculados e muitos graduados acabam trabalhando, direta ou indiretamente, para empreendimentos no continente" (Shenkar, O., 2005. O Século da China. Editora Bookman).

E nós aqui no lado Sul do mapa... nem de longe fizemos o mesmo! Apesar de toda a propaganda feita sobre investimentos no ensino fundamental e médio, nossos professores ainda são muito mal remunerados e as escolas públicas sucateadas. “Que país é esse?” - Continuamos a cantar com muita tristeza!

Os Diálogos que desenhei são possíveis, mas em situações raras. Por quê? Sinto vergonha de escrever que além disso, em nossa realidade, descreveríamos as pessoas que apresentei como especiais. Olhem para Manoel, um vendedor de lanches, ele não é normal! Eu sei, você sabe quase sem querer, que vejo o mesmo que você... nas ruas, nas praças, nos ônibus... Falta de educação, saúde, lazer, respeito, cidadania. Abandonamos nosso povo! Depois ficamos classificando a todos como rudes e pobres de espírito.

Alguns de nós quando conseguem um empreguinho e ascendem, ou permanecem na “classe média apertada”, vão morar em condomínios fechados, pagam uma saúde privada e colocam os filhos em escolas particulares... Esquecem que se não cuidamos da moradia de todos os brasileiros, nossa civilização padece! Se todos não possuem saúde, todos nós adoecemos! Os agentes biológicos não respeitam quem tem, ou não plano de saúde e, para eliminá-los, todos nós temos que estar saudáveis! Se deixamos nosso povo com educação precária... Não há o que reclamar de mortes no trânsito, do lixo na rua, ou do crime organizado. Para mim, a "classe média" é a principal responsável por sua falsa erudição e covardia... Padece por sua própria omissão e espírito de pequeno burguês. Aqui no interior do nordeste, onde tudo é pobre, tenho visto uma "classe média" ainda mais horrível, daquelas endividadas por um carro mediano como um Honda Civic, que exploram a mão de obra de pessoas fragilizadas e vivem de inveja, rancor e mau dizeres por não conseguirem morar no litoral.

Tenho muito orgulho de escrever que eu sou professor dos pobres, dos filhos dos agricultores, dos taxistas, dos comerciários, dos feirantes e das domésticas. Não estou exagerando, perguntem para eles:

Minha primeira equipe de Iniciação Científica ao meu lado no Laboratório de Zoologia da URCA. Da esquerda para direita: Sarahbelle (hoje mestre pela URCA), Suzana (mestranda na UFMA), Samuel (doutorando na UFPB), Felipe (doutorando na UFPB) e eu.


Parte de minha equipe atual em trabalho de Campo. Da esquerda p/ direita: Samuel (mestrando UFPE), Guilherme (estagiário IC - URCA), Israel (mestrando URCA) e Diego (bolsista IC-FUNCAP/ URCA).

Esses meninos e meninas brilhantes que fazem ciência de verdade - aqui no interior do nordeste brasileiro - mudam vidas e logo, logo estarão no meu lugar... Professores em todos os níveis que necessitamos por um mundo melhor e mesmo para tornar os Diálogos sobre ciência algo comum no cotidiano, como nosso feijão com arroz.

Assim encerro a série Diálogos dedicando ela aos meus alunos, cujos mesmos Diálogos no laboratório só me enchem de esperanças por um Brasil melhor e forte!!!

Turma concluinte da Biologia - URCA /2009.2 - No centro está Débora, uma de minhas bolsistas do PIBIC/ CNPq: em baixo, da esquerda para direita, a quinta menina olhando para cima e toda sorriso!

domingo, 14 de março de 2010

Diálogos: A Milena Inesperada

Passo ao meu passo curto e devagar pela alameda da praça. Um dia esplendoroso se manifesta com muita luz, calor, vento e cores das coisas vivas. Ando olhando para locais e coisas que ninguém costuma olhar. Mesmo assim, percebo à minha frente, sentada em um banco, uma mulher com a cabeça entre as suas mãos. Normalmente, e por incrível que pareça, formigas, besouros e pequeninas aranhas chamam mais minha atenção do que meus pares de espécie. Entretanto, aquela mulher de cabelos negros está tão só, tão frágil entre suas mãos, que finjo cansaço e sento na ponta contrária do banco onde ela está.

Como qualquer animal, respeito o espaço dela. Já notaram que não é preciso grandes mentes humanas para fazer isso? É, todos respeitam instintivamente o espaço dos outros. Pelo menos, os animais “irracionais” nos ensinam... Educam em exemplos a nós, grandes chimpanzés religiosos e de pelos ralos. Pequeninos animais na maioria do tempo, respeitam uns aos outros:

Eu tento fazer o mesmo! O mesmo do mesmo! Aproximar-se, respeitosamente e... demonstrar carinho e empatia por essa mulher sozinha.

Quebro o silêncio:

Eu – Bom dia!!! Você sabe que horas devem ser? Meu relógio quebrou!

Maria – Não tenho relógio!

Eu – Ah! Desculpe-me interromper seu silêncio! Posso fazer outra pergunta?

Maria – Olha, por favor, não me incomode, especialmente se você é um daqueles ridículos que não podem ver uma mulher sozinha.

Eu – Eu sou um homem comum, por isso sempre estarei preso à média dessa mesma “normalidade”. Eu sou um desses mesmos “ridículos”. Verdade, mulheres me atraem, mas, não ria de mim, besouros me são muito mais fascinantes.

Maria – Kkkkkkkkkkkkk!!! É só ficar sozinha para atrair ou um tarado, ou um louco!

Eu – Se é o que pensa de mim e todos os outros, tudo bem! Eu compreendo sua estranheza!

Maria – Desculpa! Eu não quis te ofender. Se você é “comum” como disse, embora estranho por essa predileção por besouros, compreenderá minhas reservas e até meu deboche explícito, não é?!

Eu – Certamente! Por favor, eu não sou assim tão estranho. Tenho a pele parda, uso óculos, não sou belo e até baixinho...

Maria – Não entendo aonde você quer chegar!

Eu – Que seria mais fácil inspirar confiança se fosse branco, alto, olhos azuis, simétrico...

Maria – Kkkkkkkk!!! Entendi, eu li esses livros populares, “Por que homens fazem sexo e as mulheres fazem amor?”, ou mesmo um outro, “A culpa é da genética”. Também tem reportagens em revistas e até vídeos no You Tube, ou vendidos em bancas de revistas.

Eu – Ok, mas tem livros melhores do que esses que você citou. Por exemplo, há “Além de Darwin”, que possui um texto direto, simples e brilhante. Se não leu esse livro ainda, eu recomendo! Bem, em todo caso, eu pensei que você iria me dizer que tenho baixa estima, ou complexo de inferioridade!

Maria – Nem de longe! Você é atrevido, está aí tentando conseguir minha atenção. Todo delicado e sensível. Parece o Franz Kafka em pessoa! Isso pode ser um nerd, mas nunca alguém com baixa estima!

Eu – [rsrsrsrs] Eita, que nunca me elogiaram assim! Apenas porque puxei conversa e fui sincero comigo mesmo!

Maria – Quantas pessoas falam o que você me disse sobre prestar atenção em besouros?

Eu – Disso eu sei! Na maioria das vezes converso muito... apenas comigo mesmo!

Maria – Eu também!

Eu – Não falei meu nome, desculpe-me por isso. Chamo-me Waltécio.

Maria – Kkkkkkk!!! Ta explicado tudo, além de nerd, tens um nome estranho!!! Meu nome é Maria! Prazer em te conhecer!

Eu – Pelo menos você está rindo desde que começamos a conversar. Fiquei muito intrigado pela sua solidão e as faces presas às palmas de suas mãos.

Maria – Seja sincero! É porque sou linda, não é?!

Eu – Não raciocinei, apenas senti e agi. Sim, você é muito bela... mas, tem algo sensível demais nessa sua tristeza...Tem algo diferente, ou é coisa do nerd que sou?!

Maria – Primeiro, deixa claro pra mim o seguinte: quer transar comigo, não é?

Eu – Hã?!

Maria – Diz pra mim sinceramente que está de papo furado, estranho e florido para tentar me impressionar? Pintando de intelectual sensível, sobretudo aqui neste Brasil de pobres rudes! Ah! Exatamente como você falou, para compensar sua falta de armas físicas de sedução imediata.

Eu – Putz! Gosto demais do jeito que você fala! Verdade, temos alguns livros em comum, mesmo que apenas de divulgação científica. Eu gostaria de ter uma mulher como você entre os meus braços, não vou mentir! Entretanto, compreenda o que me fez parar e puxar conversa não possui esse objetivo. Ademais, posso ir embora se estiver te incomodando.

Maria – Fica, Waté “rrr” cio! Desculpa minha grosseria! Caso compartilhemos mesmo alguns livros, você entenderá minhas palavras e comportamento.

Eu – Olha o clichê que vou falar agora: compreendo, Maria, “humana demasiada humana”!!!

Maria – Kkkkkk!!! Isso mesmo, seu “besouro demasiado besouro”!!!

Eu – É um filme, um herói brasileiro esse besouro!

Maria – Não, você está mais para escaravelho mesmo!!! Quer dizer, no Brasil chamam de besouro-do-esterco, ou mesmo “rola-bosta”.

Eu – OH NÃO!!! Kkkkkkkkkkkkkkkkk!!!

Maria – Kkkkkkkkkkkkkk!!!

Eu – Por que você está aqui mergulhada em solidão?

Maria – Eu não sei! Sério! Simplesmente parei! O dia de hoje está tão lindo e tem tantas cores. Eu quis parar, fazer valer à pena estar viva. Sentir minha respiração, encontrar em meu corpo a história de todos meus ancestrais e agradecer a todo Acaso e Necessidade por estar... viva!!!

Antes mesmo do fim das palavras de Maria, eu já estava calado em perplexidade. Ela é uma alma sensível.

Eu – Faço isso, mas disfarço sempre! Sabe, nos chamariam de loucos!

Maria – Verdade!

Eu – Ao longe passam os outros, eles devem achar que estamos no mínimo conversando sobre o calor ou, o mais visceral, acertando nossa relação amorosa.

Maria – Tenho pena da maioria desses chimpanzés!

Eu – Sei do que você fala, mas não sinto o mesmo.

Maria – Por quê? Nossa espécie não tem lá sua beleza, assim como os besouros a sua?

Eu – Cada segundo da existência de um besouro é uma manifestação plena. É vida pela vida, sem qualquer parada para reflexão se vale à pena, ou não continuar. Besouros são vida bruta na essência mais sublime, por simplesmente viverem todos seus momentos completamente. Há pessoas que dizem para si mesmas que necessitam possuir coisas para se sentirem vivas. Você sabe, tem gente que está em prantos nesse exato momento, porque o sapato que usa não possui uma campanha publicitária importante, uma marca famosa. Pessoas matam outras, por causa de uma máquina como este celular! Não consigo ter um sentimento de pena de chimpanzés assim.

Maria – Você não deve ter lido muito, tem algo chamado de alienação... Coitados!

Eu – Já li a respeito, mas é parte do que sou. Besouros são muito mais belos do que muitos de minha espécie. Infelizmente!

Maria – Ok! Pelo menos você lamenta!

Eu – Lamento muito, porque nossa espécie possui potencialidade de ser a mão sensível da natureza. Aquela que preserva, aquela que salva, aquela que no momento mais escuro que um dia virá para este nosso planeta, levará suas sementes, toda a nossa história, para outro lugar possível. Isso é sonho de ficção científica, não é?!

Maria – Delírio de nerd é o mais adequado!

Eu – Pensei que você estava triste, ou pior, que estivesse com alguma dor, passando mal.

Maria – Esse é o encontro de duas almas sensíveis, Waté “rrr” cio!

Eu – Eu queria ser João para você falar meu nome direito!

Maria – Kkkkkkkkkkkk!!! O encontro de duas pessoas estranhas, uma delas com um nome mais estranho ainda!!!

Eu – Já tô me sentindo especial de novo, olha aí!!! [rsrsrsrs]

Maria – Tenho que voltar para vida comum, Waltécio. Prazer enorme em jogar conversa fora. Obrigada por perguntar como eu estava me sentindo.

Eu – Fui atrevido e segui meus instintos... E você não notou, mas falou direitinho o meu nome!!! [rsrsrsrs]

Maria – [rsrsrsr] Tá vendo, é aquela velha história de tentativa e erro. Bem, eu também faço isso, sou atrevida e sigo meus instintos. Sinto-me viva na grande maioria das vezes... entre tantos detalhes da vida... A vida de verdade, entendes?

Eu – Entendo, sim!!! Ah! Apaixonei-me por você! Espero voltar a lhe ver um dia.

Maria – Pequeno Kafka brasileiro!


Eu – Milena inesperada!

Maria – Kkkkkkkkkk!!! Agora fiquei vermelha!!!

Eu – Mais viva?!

Maria – Vermelho viva, então!!!

Eu – Até mais ver um dia, Maria-Milena!!! Se por toda a impossibilidade de nossas vidas breves nunca nos cruzarmos novamente, você sabe, quando morrermos nossos corpos serão decompostos e misturados. Devolveremos todos os componentes que pegamos emprestados. O carbono, a água, o hidrogênio e tantos e tantos outros que estão aqui na sua frente reunidos, com individualidade genética, social e histórica. Esse conjunto de coisas e seres que estão vivendo em nossos corpos... Um dia poderão compor seres diferentes! O carbono nas folhas das folhas de relva, a água na chuva torrencial do cerrado e o hidrogênio em asteróides percorrendo o universo. Cada pedaço disso está aqui te falando, mentindo para si mesmo que é Waltécio, que é Maria-Milena, que é besouro, que é lido, que é escrito. Viemos lá da poeira das estrelas... Nem lembramos disso e não seremos nós mesmos quando voltarmos a ser o que somos, sempre fomos...

Maria – ... matéria!

Eu – A matéria!

Nesse momento, como em qualquer conversa que temos, há uma pausa de segundos. Não notou, leitor(a) amigo(a), em cada diálogo, cada conversação, existe o que os pesquisadores da lingüística classificaram de “gap” da linguagem. No gap há um silêncio breve, onde os olhos encontram os outros olhos, uma linguagem corporal ancestral presente em nossa história, antes mesmo da origem da fala. Após isso, o gap é desfeito por Maria.

Maria – Então, tchau Waltécio! A gente se vê!

Eu – Siga em paz, Maria! Para terminar sem te surpreender e sendo o clichê que sou – nesse momento levanto a mão direita, faço com os dedos o sinal de Spock e falo em voz alta – “vida longa e próspera”!!!

Maria – Kkkkkkkk!!! Beijos!!!

Após isso seguimos em direções opostas, nunca mais nos encontramos outra vez. Todavia, sempre me lembrarei dessa doce alma sensível, em cada coleóptero vivo uma Milena inesperada!

terça-feira, 9 de março de 2010

Diálogos: Olavo e Noumenon

Aqui segue um pedacinho de um ensaio para meu livro de contos. Já fiz tanta propaganda neste blog que um amigo meu falou certo dia: por que você não escreve logo isso e para de falar?! Bem, tenho dado muitas desculpas e a pior delas é uma mentira para mim mesmo de que tenho de terminar afazeres acadêmicos. Compreendi que estava mais em algum tipo de crise de meia idade, ou algo assim. Nesses momentos de transição profissional no qual nos chocamos com o que fazemos e o que desejamos fazer.

Apresentei o personagem principal deste diálogo sem grandes detalhes no post:

http://macacoalfa.blogspot.com/2009/03/discriminados-epilogo.html

Olavo é um funcionário do INSS, tem lá seus 45 anos de idade, vive uma vida normal. Bem, não tão comum assim, ele é o Roquentin brasileiro. Ao invés de historiador, funcionário público. Ao invés da náusea pelo existencialismo, ele encara as cruezas e belezas da vida centrada em ciência e tecnologia. Claro, dessas características a que gosto mais é a da contextualização com nosso dia a dia. Olavo sou eu, você, aquele padeiro da esquina... Qualquer um que despertou para os aspectos materialistas e os detalhes das infinitas formas de grande beleza (seres vivos).

Segue então um pequeno encontro de Olavo consigo mesmo (Noumenon).

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Após tomar banho e comer uns biscoitos com café lá estava Olavo sentado à beira de sua cama, no canto do quarto. Ele busca algo com grande esforço. Procura não pensar em nada e esvaziar sua mente completamente. Isso ele leu em um livro há muito tempo atrás de um autor chamado Krishnamurti. Desapegar-se de tudo, ficar vazio para ter idéias novas, contemplar o Nada Absoluto, desprender-se das paixões do ego e todo o marketing comercial que traz desejos e preocupações artificiais. Olavo sempre tentou isso, leva quase uma hora procurando silenciar sua mente... Quando tudo parece correr bem, eis que uma voz se faz presente:

Noumenon – Olá!

Olavo – Oi! Pensei que não ouviria você hoje!

Noumenon – Isso é possível?!

Olavo – Bem, você sou eu! É a voz de mim mesmo, aquele algo que li ser chamado de voz interior, consciência e pelo diálogo que travo com você agora, também um tipo de loucura... Esquizofrenia, correto?!

Noumenon – Você não é doente por conversar consigo mesmo, Olavo! Esquizofrênicos são diferentes. Eu sou você, sei o que sabes e na memória de suas leituras há algumas coisas de psicologia. Você não é louco!

Olavo – Muitas pessoas pensariam diferente, conversar consigo mesmo não é lá um hábito que é comentado por aí, sabia?

Noumenon – Mas todos fazem, em diferentes graus, mas fazem. Ademais, se olhassem para você agora, aí parado, sentado no canto das coisas, perguntariam o porquê desse silêncio profundo e dos seus olhos fixos na parede.

Olavo – Silêncio? Olha aqui você tagarelando em minha mente! Bem dera eu, conseguir silêncio absoluto!

Noumenon – Por que você deseja isso?

Olavo – Há coisas perturbadoras que preciso entender. Eu preciso, mesmo não sabendo bem a origem dessa necessidade.

Noumenon – Por favor, um exemplo!

Olavo – Que tal imagens? Você é minha mente, está em um lugar privilegiado para uma apresentação. Digo, não é necessário ter recursos audiovisuais convencionais, é só pensar em imagens e você as verá. O primeiro datashow cerebral da história!!! [rsrsrsrs]

Noumenon – Hmmm!!! Gostei do humor, manda as imagens.

Olavo – Estrelas nascem:
Olavo – Estrelas morrem:

Olavo – Isso é minha memória de fotos, não é algo que inventei, ou um quadro que quis pintar. Isso é uma realidade.

Noumenon – A matéria tem suas propriedades, você gosta de ler sobre isso. Essas coisas são comuns na literatura que nos alimenta.

Olavo – Ok! No ensino médio meus colegas de sala de aula tratavam os livros como receitas para decorar e conseguir passar nas provas. Mas, eu percebi que havia algo mais lá. Eu descobri porque o céu é azul, entre tantas outras coisas!!! Isso através de simples leitura sobre ciências ao nível ginasial, aquele básico para cidadãos comuns. Desde então, após leituras um pouco mais profundas (digo com mais detalhes), o mundo para mim passou a ter cores e detalhes muito mais encantadores. Uma poesia da realidade!

Noumenon – Isso deveria lhe fazer feliz!

Olavo – Felicidade é um conceito exclusivamente humano. A vida não precisa disso, é plena na manifestação de si própria enquanto fenômeno da matéria.

Noumenon – Não entendi! Faz ou não você feliz e o que isso tem haver com o nascimento e morte de estrelas?

Olavo – Que bom ter alguém para falar disso! Eu quis dizer que felicidade são perspectivas psicológicas. Por exemplo, a área de pesquisa chamada de neuromarketing estuda meios de transformar coisas sem sentido, um produto qualquer (mesmo sem qualquer vínculo com bem estar, alimentação, saúde essas coisas) em necessidades. Saciar essas necessidades mentirosas está no âmago do capitalismo atual do consumo pelo simples consumo.

Olavo – Por isso, verdades que descobrimos não devem ser interpretadas assim: “dar felicidade, ou não”.

Noumenon – Foi Francis Bacon ou Spinoza que pensava justamente o contrário do que você está falando?

Olavo – Procura no Google!!! [rsrsrsrsrs]

Noumenon – Engraçadinho!!! É, acho que tens esquizofrenia mesmo!

Olavo – Quis dizer, não importa se alguém escreveu algo contrário. Também isso não quer dizer que minha palavra seja a última sobre isso. Apenas que é aquilo que concordo. Ao contemplar o pouco que sei, eu concordo que a ciência é o caminho da verdade e essa, às vezes, pode nos desafiar naquilo que desejamos.

Noumenon – Sou parte de você e tenho que concordar, caso contrário como poderíamos viver juntos?

Olavo – Para minha voz interior que sabe todos os detalhes de tudo do pouco que sei, você às vezes me decepciona. Vivemos juntos, mesmo que parte de mim não aceite tudo como é. Preciso da dúvida comigo! Você é essa parte do que sou.

Noumenon – Minha função é desafiar você e a mim mesmo!

Olavo – Isso! O meu amigo imaginário quando adulto![rsrsrsrs]

Noumenon – Não exagera, Olavo!

Olavo – Ok! Tenho humor, até em situações como essa. Perdido em solidão, conversando comigo mesmo.

Noumenon – Além das estrelas, intrigou-me você falar que a ciência desafia o que desejamos...

Olavo – Bem, por exemplo, desejamos simplesmente não desenvolver doenças ou sermos infectados por um agente biológico! Simples, né?! Nesse caso, todos ficam felizes quando a ciência encontra respostas práticas para findar esses males. Por outro lado, a análise de como tudo isso acontece nos traz um mundo fora de nosso controle. Mais ainda, esse mesmo mundo se não é indiferente à nossa existência, constitui um lugar onde somos apenas mais uma forma de vida entre bilhões e bilhões de outras. Nós desejávamos o contrário! Desajávamos que fôssemos especiais, o centro de tudo o que existe... E isso não ocorreu segundo nossos desejos e fantasias!

Olavo – Há também o maior de todas as aspirações humanas: não morrer. Li como descobriram a origem do processo da morte. Logo quando surgem a multicelularidade e o sexo. A morte é realmente uma doença sexualmente transmissível!!! O que sabemos hoje é que nós e todos os outros seres multicelulares (salvo raras exceções) morremos. Isso não é um problema para um celenterado, mas devido à nossa tal "complexidade" cognitiva, amamos tanto a nós mesmos, outras pessoas e aspectos do que somos... Que não gostamos da idéia disso tudo ter um fim absoluto! Nesse sentido, a ciência não tem uma carta ofício assinada de comprometimento com desejos e felicidade na ausência da dor humana.

Noumenon – É um assombro para mim fazer coro com você nesse seu momento de silêncio. Deveríamos ouvir tantas pessoas conversando sobre isso no dia a dia, não acha?

Olavo – E eis aqui as estrelas! Por que não consigo conversar com quase ninguém sobre quasares, nebulas, buracos negros e supernovas? Por que o dia inteiro eu só ouço falar de novelas, relações pessoais e aspirações de consumo?

Noumenon – Suas perguntas são dignas de um pequeno burguês!

Olavo – Você sabe que astronomia não é o centro de minhas preocupações e que não me esqueço da luta de classes. Pequeno burguês é aquele da “classe média” que até tem como sobreviver sem passar por grandes privações, mas está centrado em tudo o que é artificial e covarde. Não possui nenhuma conexão social e mesmo seus laços religiosos estão em função de atender às “necessidades” criadas pelo marketing. Um tipo de “Deus me ajuda a comprar um carro”!!!

Noumenon – Amém!!!

Olavo – Agora é você o engraçadinho aqui, né?!

Noumenon – Lembro de novo, eu sou você, monstro!!!

Olavo – É isso aí!!! Eu tenho que voltar para a vida comum! Vou sair por aí e quebrar o silêncio desse nosso diálogo. Afinal, conversar comigo mesmo é muito chato.

Noumenon – Por isso a mente gera sonhos! Estes são a expressão máxima de minha voz, dos delírios, da loucura e todas as associações que você não conseguiria fazer estando consciente.

Olavo – Verdade! Gosto mais de conversar com você nos meus sonhos, mas hoje estou sem um pingo de sono.

Noumenon – Algum motivo que cause essa insônia?

Olavo – Estrelas morreram hoje, Noumenon! Eu não consigo parar de pensar nisso! Pensar que eu nem olhei para os céus, porque estava tão ocupado no trabalho. Aquele serviço de balcão, onde encontro tanta gente preocupada com sua aposentadoria, com dinheiro, com elas mesmas aqui neste mundo de fantasia que nós humanos insistimos em perecer.

Noumenon – Nós, os chimpanzés do Pleistoceno!

Olavo – Nós que somos o clichê dos clichês entre os primatas!!!

Depois disso, o que não era silêncio na mente de Olavo, transformou-se em uma multidão de pensamentos. Vestiu-se adequadamente, foi até o carro e encontrou os amigos no barzinho. Dos movimentos corporais até a escolha da cerveja, sua atenção e mente foram sendo absorvidas pelos aspectos do comum. Risos e muita conversa sobre futebol, notícias de telejornal e coisas do trabalho. Ninguém percebeu, mas entre uma pausa e outra no bate papo, Olavo estava sempre olhando para os céus. Alguns acharam meio estranho, porque os céus da noite estavam límpidos e estrelados... Ele não deveria estar preocupado se iria chover!

Sabemos que Olavo não estava preocupado com a possibilidade de chuva, porque ele tinha razão, estrelas nasceram e outras morreram naquela noite!!!

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