terça-feira, 15 de setembro de 2009

Sobrevivência Humana: A Ciência, a Arte e o Fim


"Mas, por fim, sentimos faltar-nos o apoio, e resvalamos no vácuo, e precipitamo-nos pelo éter" (Aluísio de Azevedo, 1895).

Mitos para o fim do mundo existem em várias culturas, parece uma percepção humana de que nada é para sempre, de que tudo se transforma e há um novo recomeço. Os dias se sucedem, vão-se as estações, nós envelhecemos, nossos filhos crescem e voltamos ao pó das estrelas de que somos compostos, mas a vida continua!

O sentido da vida? Já escrevi aqui em um de meus momentos mais inspirados:

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O coleóptero de Kafka, a vida, a morte e a beleza da matéria

Desde então, eu não mudei de opinião, tão pouco li algo novo a respeito. Para mim a vida continua objetivando ela própria e não possui compromisso algum com nossos desejos individuais.

Entre os efeitos emergentes de nossa mente, o senso de estética autapomórfico nos torna humanos de verdade. Na arte, música e literatura estaremos sempre exercendo aquilo que chamamos “espírito humano” e para além de nossa espécie, pintamos, cantamos escrevemos poemas de amor pela Terra e todos os seres vivos.

Há ainda outro empreendimento humano que possui o mesmo valor: a ciência.

Retratando isso em uma visão romântica: ciência é o caminho da verdade, mas nunca adotando uma única voz como dogma. Não seguimos Charles Darwin, ou acendemos velas em louvor a Albert Einstein! Concordamos com algumas de suas propostas que foram comprovadas por fatos. Algumas, porque eles não acertaram tudo aquilo que proporam. Seus maiores erros foram a pangênese (Darwin) e a constante cosmológica (Einstein). Além dos erros, as vidas desses homens não são modelos para adotarmos como se fossem gurus religiosos. O caminho da ciência segue pelos erros e acertos, entre misantropos e filantropos.

A ciência compreende a única forma para podermos compreender o presente, passado e imaginar (*) nosso futuro. “Pé no chão”, sem delírios nefelibatas e quando falamos sobre algo é bom levar a sério. Por exemplo, o aquecimento global atual é fato comprovado! Pergunte aos ursos polares se você tem alguma dúvida disso.

Nossa conversa a respeito da Sobrevivência Humana é centrada na ciência e seus fatos: (1) petróleo não é recurso renovável, (2) nossa natureza humana é cooperativa (somos primatas sociais altruístas recíprocos), (3) os continentes estão se movendo por causa da dinâmica da Tectônica de Placas, (4) temos centenas de inimigos biológicos e (5) somos todos animais com limites adaptativos para a sobrevivência, ponto.

Estudando o passado, sabemos que houveram cinco grandes eventos de extinção em massa: (1) a ordoviciana (1.435 milhões de anos), (2) a devoniana (2.345 milhões de anos), (3) a permiana (250 milhões de anos), (4) a triássica (195 milhões de anos) e (5) a cretácea (65 milhões de anos). Em "Consiliência" (1999) o entomologista americano Edward O. Wilson considerou nossa ação no mundo como o sexto evento de extinção em massa das espécies biológicas. Nós humanos somos piores que meteoros, vulcões, terremotos, agentes infecciosos, deriva continental... piores do que tempestades solares. O sexto evento de extinção em massa agora no Holoceno... O agente responsável? Um macaco nu e arrogante do Pleistoceno.

Se toda essa destruição estivesse trazendo bem estar para nós, talvez fosse difícil falar disso para as pessoas comuns. A história das civilizações grandiosas que encontraram seu colapso nos dá profundo medo e toda a miséria que vemos em nossa volta molda nosso presente, eclipsa nosso futuro.

Vamos unir as duas coisas agora: mitos do fim do mundo + linguagem científica = previsões pseudocientíficas equivalentes à astrologia!

Algumas pessoas se aproveitam de jargões e hipóteses científicas ainda não completamente estabelecidas para formular cenários futuros, ou mesmo filosofias de vida para lá de duvidosas (ver Sokal e Bricmont, 1999). Se você não entender o que alguém de título de ‘doutor’ falar, ou escrever, muito provavelmente não é discurso sério, tão pouco ciência de verdade. Os jargões são muitas vezes usados de forma errada, em contextos totalmente diferentes e inapropriados de sua verdadeira origem. Por exemplo, fala-se “amor quântico”, “Evolução espiritual” e “defesa da Ecologia (**)”. Mecânica Quântica, Evolução Biológica e Ecologia não têm nada haver com sentimentos humanos, ou mundos metafísicos. As duas primeiras são teorias científicas e a última um ramo de qualificação profissional.

Há previsões seguras na ciência para a sobrevivência humana? Todo cenário de previsão é especulativo, vejam como exemplo as previsões diárias do tempo. A Metereologia é uma ciência que estuda sistemas caóticos dinâmicos (ver Lorenz, 1996: 99-137). Apesar de todos os avanços (***) não dá para fazer previsões razoáveis em 24 horas. Pessoas sofrem com tempestades, furacões, tsunamis e terremotos... completamente inesperados!!! Se não conseguimos ainda prever eventos assim, estamos muito mais longe do poder desejado de controlar o clima. Apesar da pompa de “macaco tecnológico”, continuamos tão frágeis às mudanças climáticas quanto qualquer outro ser vivo.

Você pode pensar que é uma tremenda bobagem esse desejo humano de tentar entender e controlar as coisas. Afinal, se não conseguimos fazer isso com computadores e nanotecnologia nenhuma outra forma de vida poderá.

Engano seu!!!

As bactérias estão "seguras de si mesmas", não sofrem qualquer ameaça de extinção, são eternas de verdade e controlam todo o planeta!!! O oxigênio e a camada de ozônio, os solos, os ciclos da matéria, a base primária de todos os ecossistemas... são controlados por elas!!! Nossa! Parece o conto de H. G. Wells, Guerra dos Mundos, não é?! Só que aqui nós nos comportamos como os invasores!!!

O planeta Terra pertence às bactérias, nós somos apenas passageiros efêmeros por aqui.

Penso agora palavras positivas para encerrar esta série de textos. Eu procurei em meus livros, revistas e aqui na internet, mas sempre estamos escrevendo e falando sobre o fim de nossos dias, seja na religião, ou mesmo na ciência.

Os dados científicos que temos apontam para uma verdade: não há eternidade para seres pluricelulares (animais e plantas) (****). Sempre há a extinção por um evento natural, ou a transformação de uma espécie ancestral em seus descendentes. Nada ficou como estava, nada permanece o mesmo. Há 3,5 bilhões de anos a matéria se manifestou neste planeta de forma incomum... Surgiu o que compreendemos como vida. Os seres mais perfeitos até hoje são os replicantes moleculares iniciais: as bactérias, as infinitas formas de grande beleza.

Nós surgimos na história evolutiva da feiúra e imperfeição dos experimentos dos sistemas biológicos ditos "complexos". Nossa função?! Se não é preservar e reproduzir a Biota Mãe (Gaia), então seremos apenas "contadores de histórias".

Após nossa breve e ridícula passagem pela vida... Após macaquearmos o mundo inteiro numa piada mortal para as espécies que destruímos e toda a dor que infligimos até mesmo aos nossos pares de espécie... Deixaremos textos como este, escritos como uma nova forma de pintura rupestre feita de virtualidade, plástico e sentimentos primatas do Pleistoceno!!!

As futuras formas de vida inteligentes, derivadas novamente das bactérias, irão decifrar, ler e aprender com os nossos erros. Já que nós mesmos não conseguimos fazê-lo.

Essa foi a minha passagem literária para esta série inspirada em Aluísio de Azevedo no conto "Demônios".

Ainda bem que temos a Arte! Sem ela não valeria a pena viver!

A sobrevivência humana está para além da ciência!

(*) Imaginar é diferente de predizer.
(**) O correto é falar em “defesa do meio ambiente”. Salvar a Ecologia faz tanto sentido quanto salvar outros ramos profissionais das Ciências Biológicas como Zoologia, Genética, Embriologia, etc., etc.
(***) Chover no molhado: no mundo inteiro investimos muito mais em armas do que em pesquisa científica.
(****) Talvez as hidras e os Myxozoa sejam exceção à regra e eternos.

Referências
Azevedo, A., [1895] 2007. Demônios. Editora Martins Fontes.
Sokal, AD. e Bricmont, J., 1999. Imposturas intelectuais. Editora Record.
Lorenz, EN., 1996. A essência do caos. Editora UnB.
Wilson, EO., 1999. Consiliência: a unidade do conhecimento. Editora Campus.

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