sábado, 21 de fevereiro de 2009

Discriminados: Animais


No canto da parede de sua casa há uma pequena aranha e sua teia. Na próxima faxina, ambas serão removidas como sujeira e quem fará isso não se importará. Vamos colocar um nome nessa aranha enquanto viva, a chamaremos "Divina".


Divina teve uma longa e particular história. Depois de eclodir de seu ovo, logo cedo teve que se virar sozinha, caso ela demorasse muito em sua casa de origem sua mãe a comeria viva, literalmente. Dos perigos, conseguiu escapar de três lagartixas e em uma única vez de um pequeno sapo. Usando sua teia conseguiu embarcar em uma longa viagem via área até chegar ao cantinho rochoso dessa caverna acolhedora que é a sua casa, caro leitor.

Certo dia, Divina sentiu a vibração da teia. Não era comida agonizando, mas sim os toques delicados de um pretendente seu, o qual chamaremos "Jonas". Os fios da teia são tocados de forma gentil, apaziguadora, apaixonante e convidam-na à reprodução. Jonas aproximou-se e conseguiu transferir seus espermatozóides para Divina. Momentos depois, o ato foi completamente consumado com o banquete delicioso de seu amante, Jonas foi uma das melhores comidas da existência de Divina!

A faxina de sua casa veio antes de Divina por seus ovos e a parede agora está limpa. Em breve haverá outra pequena aranha lá e a pessoa que limpa sua casa nunca notará a diferença entre uma aranha e outra, nem tão pouco terá o mínimo de curiosidade por aranhas em geral. É apenas poeira e sujeira para limpar.

Aranhas minúsculas são pequenos detalhes de nossa diversidade biológica, por si só são os verdadeiros milagres da natureza e da matéria que compõe este universo.

Especismo chama-se a discriminação de espécies diferentes da nossa. Não é apenas uma questão de indiferença absoluta, como na história de Divina, às vezes há dor, escárnio, escravização e morte.


Deve-se sempre lembrar que discriminação de espécies não é igual a vegetarianismo. Grande parte da propaganda contra o especismo não passa de campanha de vegetarianos contra o consumo de carne. Plantas são seres vivos e nós também consumimos partes, ou até cadáveres inteiros dessas criaturas.

Outra confusão que se faz é com o uso de animais em experimentos de laboratório. Desconheço até hoje um profissional que inflinja dor, ou faça um trabalho com animais apenas por crueldade e sadismo. Lembro a todos que se souberem de qualquer abuso nesse sentido devem denunciar as autoridades competentes. Sem contar que toda universidade com pesquisas que envolvam animais em laboratório deve possuir um Comitê de Ética para julgar o mérito, averiguar os métodos utilizados e proteger as cobaias e humanos de qualquer abuso.

Já escrevi no post [clique]
Ódio, o irmão gêmeo do Amor que nós primatas vivemos em grupos com identidades específicas, que, em vias de regra, demonstramos ódio xenofóbico aos estrangeiros. Se fomos capazes de transformar pessoas em bens de consumo e escravos, imaginem nosso sentimento para com as outras espécies?

É fato: quanto mais proximidade evolutiva temos de outras espécies, mais cresce nossa afeição. Vemo-nos a si próprios em mamíferos com mais facilidade do que em anfíbios, répteis, peixes, etc. Sem contar que o básico de nossas emoções está lá nos mamíferos, na forma em que elefantes choram de lágrimas à morte de um membro da manada. Isso nos comove de verdade!!!

Mesmo assim, temos uma sortileza de diversões sádicas com outros animais: touradas, rodeios, luta de cães, lutas de cavalos e a farra do boi estão entre os piores com mamíferos; com aves, além das gaiolas, há a rinha de galos.






Outros "passatempos" são mais "sutis" e possuem programas na TV como a "pescaria esportiva". Aquela na qual se enfia um anzol na garganta do animal, puxa-o até fora d'água onde, além da dor da garganta ferida, há a falta de ar e estresse fisiológico. Depois disso devolvem o animal com uma ferida aberta capaz de infeccionar e levá-lo à morte. Neste caso em particular, fazemos isso porque o crânio dos peixes possui uma cinética própria de seus ossos. Não há expressão facial de emoções como a dor, pouco menos gritos. Mas a dor está lá... intensa e na mesma medida que seria fazer isso com você. Imagine um anzol na sua garganta... sentiu? Puxando-o com toda a força para dentro da água... dá para ter uma idéia de como é estar dentro da água sem oxigênio, com um anzol na garganta?!


Para quem prefere uma linguagem mais formal, sites como www.pesca.com.br possuem textos sobre sobrevivência após o ferimento do anzol e sobrevivência ao pesque e solte (catch and release).

Algumas pessoas deveriam entender melhor como combater seu tédio jogando dominó, futebol, ciclismo e outras infinidades de atividades humanas.

Eu sou um zoólogo, trabalho com hospedeiros e parasitas, vertebrados e invertebrados ao mesmo tempo. As pessoas em minha volta sempre tendem a gostar e até identificar minha pesquisa com os primeiros, os parasitas passam longe... embora sejam o centro de minha atenção.

Não tem jeito, quem é do ramo sabe que na elaboração dos projetos para conseguir financiamento temos que justificar o trabalho ou com humanos, ou com uma fauna carismática. No primeiro caso, como estou trabalhando com parasitas, a conexão é clara, já que há milhares de humanos parasitados pelos animais que estudo. No segundo, aí sim, no meu caso não dá, não estou trabalhando com animais "queridos" como onça pintada, o mico-leão, as baleias, os golfinhos, cães e uma sorte de passarinhos coloridos. Eu estudo lagartos, cobras e sapos!

Em muitas culturas humanas, lagartos, cobras e sapos estão associados a coisas ruins, por exemplo, as poções mágicas das bruxas e a serpente demoníaca do Paraíso. Pior se falarmos em parasitas desses animais!!!

Isso também ocorre com plantas e vegetação como um todo. Embora o post seja sobre animais, vale escrever rápido que gostamos mais da vegetação onde evoluímos do que qualquer outra. As plantas com flores até de "superiores" nós chegamos ao absurdo de chamá-las. Entre os biomas, sempre preferimos as paisagens de savanas e campos abertos do que manguezais e caatinga. Quem não ouviu falar do monstro do Pântano?! Ou desqualificou alguém porque ele mora em um Brejo?! As pinturas de paisagens mais vendidas no mundo são de campos abertos e não de florestas tropicais. A sensação que sentimos ao olhar essas telas, especula-se, é como um déjà vu repleto de emoções de bem-estar... como se olhássemos para nossa casa, a savana africana onde surgimos como seres humanos.

Durante milênios os seres humanos desenvolveram códigos de etiqueta para esconder ao máximo sua animalidade. Hoje reconhecemos ser um tipo de animal entre os outros neste planeta. Isso não implica em nos transformar em criaturas que não somos, apenas identificar quem somos. Entretanto, humanos historicamente negaram ser animais, entenderam que eram algo muito diferente deles, sem qualquer conexão.

Chamamos zoomorfismo toda a comparação de características de animais em humanos. De forma inversa, há o Antropomorfismo, onde animais ganham feições humanas. Os dois estão errados! Se temos uma característica compartilhada com outros animais, isso implica na nossa história evolutiva, entender o que somos: animal humano. Nossa similaridade genética de 98,4% com os chimpanzés não implica dizer que somos um deles, somos irmãos deles!!! Todos mereceriam hoje estar no mesmo gênero:
Homo sapiens, H. troglodytes e H. paniscus! Mesmo se ao invés de Homo, usássemos o gênero Pan dos chimpanzés, continuaríamos ser quem somos, apenas mais uma espécie entre outras, P. sapiens... ponto.

O antropomosrfismo é muito mais comum, entre fábulas, contos de fada, desenhos animados e filmes... animais ganham feições humanas, como Donald, um pato falante, que é tão primata (humano) ao ponto de adorar comer frango assado!

Animais possuem comportamentos similares aos nossos, afinal, estamos todos conectados pela evolução. Se as mulheres têm amor de mãe para dar aos nossos filhos, esse comportamento é compartilhado com todas as outras fêmeas dos mamíferos. Do mesmo jeito do parágrafo anterior. Ter amor maternal entre fêmeas e filhotes de baleias, não transformam elas em humanas... são baleias!!! Estão conectadas a nós pela história evolutiva dos mamíferos que somos. Semelhanças e diferenças entre animais, apenas isso.

Se pessoas são ignoradas nas ruas pela população, os animais e plantas estão no mesmo pacote. Um dos erros mais graves nos seriados de ficção científica está muito bem representado em Jornada nas Estrelas. As espaçonaves que cruzam o espaço por anos luz são estéreis, sem animais e plantas. Uma viagem à Lua, ou o conserto de um satélite é uma coisa, viajar espaço adentro é outra. Ambientes sem vida são nocivos para os humanos que somos, causam danos psicológicos graves. Na verdade, poucos aguentam trabalhar em um ambiente, no mínimo sem janelas. Chamamos de ornamentação o embelezamento de ambientes com plantas e em nossas casas além delas, há sempre um animal de estimação, ou pelo menos a promessa de um dia ter um.

Não estamos apenas conectados psicologicamente, porque somos seres muito semelhantes a vampiros. Ao invés de sangue, precisamos de nitrogênio, vitaminas, glicose, carbono, etc., etc. Tomamos tudo isso de outros seres, nossos pratos são um arranjo gurmet de cadáveres de animais e plantas. Gosto sempre de lembrar que precisamos de ambas as fontes de alimento. Os vegetarianos apontam o consumo de carne como algo deplorável, mas comer vegetais além de ser consumo de tipos de organismos mortos, também representa morte de animais diretamente, porque as áreas agricultáveis sempre representam desflorestamento e morte. Plantar para comer é o mesmo que matar. Criar para comer... idem! Matamos animais e plantas para viver!

Há muito apelo nos dias de hoje para que tenhamos respeito com a vida na Terra, mas poucas ações efetivas. Sofremos pela tradição secular, onde tínhamos a certeza de que todos os recursos deste planeta eram inesgotáveis, pior ainda, que animais e plantas foram criados para nos alimentar, serem nossos escravos e diversão.

Construímos armas com poder destrutivo apocalíptico... mas ficamos surpresos em saber que bactérias, baratas e gafanhotos sobreviveriam ao nosso inferno nuclear.

A Terra viu os seus diferentes filhos nascerem e morrerem durante bilhões de anos. Uma dessas espécies passou uma ínfima fração de seu tempo se auto-proclamando a mais bela e amada entre todas. Nós
H. sapiens falamos de nós mesmos com arrogância, hedonismo e muitas vezes com malevolência escravista. Do outro lado, milhões de outras formas de vida falam, com diferentes linguagens, coisas do ontem e do amanhã... em um mundo onde humanos não existiam e talvez deixem de existir.

Animais como as baleias fazem parte do que a mídia classificou de fauna carismática. Canções em defesa das baleias foram feitas de Roberto Carlos ("As Baleias") até bandas como A-ha ("We're Looking for the Whales" - "Nós Estamos Procurando pelas Baleias"). No meu caso, sempre que toco no assunto sobre discriminação e extermínio de espécies lembro da música da banda Megadeth "Countdown to Extinction" ("Contagem Regressiva para Extinção"). No vídeo abaixo foi feita uma montagem dessa música com cenas de caça "esportiva", são chocantes, porque é "diversão", sadismo e no caso das focas, vaidade por um casaco de peles:


Em minha adolescência, vez por outra, saia com meu amigo Getúlio Luis de Freitas (IBAMA/ PB) na natureza aos arredores da cidade de Bayeux-PB. Entre manguezais e Mata Atlântica era comum ouvir o grito de Getúlio que caminhava à frente: "ANT"!!! Era para praticar inglês... e avisar que havia formiga na trilha para ninguém pisar!!!

No canto limpo da parede de sua casa haverá novos fios de teia. Outra pequena aranha descobrirá sua caverna moderna de alvenaria. Ela será muito diferente de Divina, mas isso nunca importa, não é mesmo?!

É estranho porque eu me importo!!!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Discriminados: Idosos

No post a respeito dos deficientes escrevi sobre a possibilidade real de qualquer um de nós, por um acidente ou doença, passar de uma vida “normal” para uma outra de luta contra a discriminação. Mas isso é uma possibilidade e nunca poderá acontecer.

Algumas pessoas irão tentar “corrigir” seus “defeitos” utilizando conhecimento, métodos e tecnologias das ciências biológicas e da saúde. Por exemplo, o caso mais gritante foi à tentativa do cantor Michael Jackson de mudar a cor de sua pele. A justificativa de vitiligo não se sustenta, porque ele também afilou o nariz, modificou os lábios e a textura de seus cabelos. Foram tantas cirurgias que no conjunto sua aparência se tornou quase inumana.

A vaidade pela beleza corporal humana é algo muito efêmero.

Todas as cirurgias, implantes plásticos e lipoaspiração possuem limites para esconder algo que é comum a todos os seres humanos: a velhice!

Eis um vídeo famoso para dar abertura a este post:

Por que envelhecemos e morremos?

Poderíamos responder que todos os organismos são assim, mas não é verdade. O ciclo da vida que é ensinado nas escolas (nascer, crescer, reproduzir-se, envelhecer e morrer) só é válido para organismos pluricelulares sexuados. Há criaturas neste planeta que não envelhecem, tão pouco morrem, como as bactérias. A origem do sexo, talvez por uma corrida armamentista com parasitas ("hipótese da Rainha Vermelha"), está relacionada com diversidade genética e morte. Compreender os mecanismos por trás disso é buscar longevidade e um dia até a eternidade desejada.

A fantasia mais idealizada por nós termina com um casal idoso saudável, mentes sãs e conscientes... Eles deitam em suas camas, adormecem e com uma expiração profunda, morrem juntinhos, sem dor alguma... num eterno sonhar.
Se isso um dia aconteceu é motivo de uma boa reportagem televisiva. A expectativa média de vida no mundo de hoje é de 65 anos, no Brasil está em volta dos 60 anos. São cerca de 14,5 milhões de brasileiros, 8,6% da população total do país, segundo o último censo realizado pelo IBGE.

A maioria de nós enfrentará toda a sorte de doenças relacionadas à velhice. Após os 40 anos de idade sabemos nosso dever de ir ao médico para uma checagem anual... Depois semestral, mensal, diária... quando saímos dos cuidados médicos... começam os funerários!!!

Todos nós vamos envelhecer!!!

Eu trabalho com parasitas de répteis, em especial os pulmonares. Em 2007 e 2008 fui um dos autores de três publicações sobre infecção pulmonar em
Hemidactylus mabouia (as lagartixas noturnas africanas e invasoras conhecidas aqui no nordeste como “bribas”) (Anjos et al., 2007, 2008, Almeida et al., 2008). Constatamos que todos os animais juvenis estavam saudáveis, enquanto os mais velhos possuíam grandes graus de infecção. Doenças parasitárias podem acometer filhotes (como acontece com as crianças humanas em meio à miséria), mas os resultados apontam as lagartixas mais velhas serem os hospedeiros de maior probabilidade. Quanto mais tempo, maior o contato com alimento contaminado, maior o grau de infecção: os animais velhos sofrem muito mais.

Quando nos tornarmos idosos, seremos tão frágeis, ou mais ainda do que as crianças. No caso destas, enfrentar uma doença é dar continuidade a uma vida inteira pela frente. Nos idosos é enfrentar doenças sem esperanças de longevidade.

Meus alunos sabem que entre as condições para que ocorra seleção natural está a reprodução. Qualquer ser vivo que cesse sua capacidade reprodutiva está teoricamente fora do jogo evolutivo.

Ademais, o processo de seleção natural não possui um compromisso de aprimoramento ao bem estar, ou qualquer objetivo humano. Essa é a resposta para a existência de doenças degenerativas específicas da idade avançada. Isso se chama saúde em declínio.

Degenerar por causa do Mal de Parkinson, Alzheimer e uma sorte de tipos diferentes de câncer, não afeta o sucesso evolutivo da espécie humana. Essas doenças ocorrem na maioria das vezes nas pessoas idosas, muitos anos após terem filhos.

A fragilidade e dor dos idosos resultam ainda da seguinte lista: (1) perda de papéis sociais, (2) perda da autonomia, (3) morte de amigos e parentes, (4) isolamento social, (5) redução do funcionamento cognitivo e, na maioria das vezes, (6) restrições financeiras.

É um momento tão especial de nossas vidas que possuímos uma parte da medicina específica chamada geriatria. Começamos com pediatras, morremos com geriatras!

Próximos da escuridão da morte, tudo é crepúsculo em nossas vidas.

Nosso comportamento também apresenta um padrão, temos identidade sócio-cultural estabelecida em nossa adolescência. Pesquisas mostram que até as melhores hipóteses e teorias científicas surgem em mentes jovens. Após os 30 anos estamos estabilizados, já cheios de nossas manias e acima dos 60 anos não seremos mais passíveis de modificar muito em nós mesmos. É algo fácil de ver, nossos avós não passaram a gostar da música que escutamos hoje, pelo contrário, tentam mostrar as que eles escutavam e escutam... Nossos avós acham tudo de sua geração muito melhor do que qualquer outra.

É uma necessidade para sobrevivência! Nosso cérebro constrói regras e imagens a respeito do mundo. Somos o que somos desde a última grande glaciação, uma mudança climática global ainda não repetida desde então. Nossas mentes compreendem padrões locais e globais, essas informações são usadas e transmitidas para o manejo e uso dos recursos necessários à nossa sobrevivência. Uma tradição é a soma de conhecimentos obtidos por tentativas de erros e acertos. O saber sobre as plantas e os animais medicinais, técnicas de agricultura e pecuária, etc. Isso é a informação aprendida em uma vida que deve ser ensinada aos mais jovens.

Os idosos são verdadeiras enciclopédias vivas. Eles sabem de verdades e não podem mudar muito o que descobriram. É um papel dos jovens aprender com eles e avançar em conhecimentos.

Entretanto, desde a década de 1980 foram realizadas pesquisas em escolas e universidades, cujos resultados demonstraram a seguinte realidade: quanto maior a idade do professor, haverá menos alunos interessados em suas aulas.

Dois exemplos:
(1) Robert Anthony Coler é um ecólogo norte-americano aposentado. Ele veio ao Brasil e foi professor visitante de Ecologia II na UFPB... Ele foi meu professor por um semestre. Certa vez, Robert A. Coler estava sentado na cantina, eu, Alexandre (hoje professor da UFRN) e Rômulo (hoje professor da UEPB) fomos lá conversar. Claro, fizemos a pergunta mais comum: por que ele havia decidido se aposentar e vir para o Brasil? Ele respondeu com seu sotaque americano:

Os alunos não queriam mais assistir minhas aulas, porque sou velho! Então resolvi me aposentar e tentar continuar meu trabalho onde queiram me ouvir!

(2) Minha primeira orientadora de Iniciação Científica foi a professora aposentada Maria Alves de Souza (conhecida como “profa. Branca”). Ela era botânica pesquisadora de fungos (micologista), embora tenha me colocado para trabalhar com samambaias. Lembro bem das brincadeiras e reclamações de meus amigos de graduação com as aulas da profa. Branca. Ela falava muito de seu passado e todo mundo achava engraçado, embora entediante.

Vamos resumir o quadro:
1) Pessoas idosas não são belas, segundo os padrões de beleza da mídia (cada vez mais juvenis).
2) Pessoas idosas estão enfrentando doenças degenerativas específicas da idade e ainda combatendo os velhos inimigos (pe., gripe) com seus sistemas imunológicos fragilizados pelo tempo.
3) Pessoas idosas são detentoras de conhecimentos completos, mas enfrentam preconceito por causa de sua idade.

Não é um quadro nada animador! A realidade brasileira é uma das piores. Abandono, agressões e exploração dos idosos fazem parte de reportagens constantes que assistimos na TV:

Além dessa realidade, os programas de TV apresentam as pessoas idosas como “velhinho(a)s” simpáticos, felizes, passivos, sempre enfurnados dentro de suas casas. Quando ocupam um papel principal é para falar de doenças, ou na ficção de feiticeiros e bruxas. O pai de Homer Simpson é uma das melhores caricaturas de como o mundo de hoje trata os seus idosos.

Verdade que os erros do mundo que vivemos foram cometidos por eles, assim como todos os acertos!

As guerras e a reconquista da paz, os nossos primeiros passos fora deste planeta, as belas músicas compostas, as universidades seculares, nós devemos tudo a essas pessoas. Seus genes eternos e de sucesso estão hoje conosco.

Se eu mesmo tiver saúde e sorte, gostaria de viver o máximo possível. Sei que será difícil, mas possuo coragem suficiente para enfrentar meu ocaso fisiológico. Claro, quando me imagino velhinho, prefiro me comparar a homens como Oscar Niemeyer na vida real e algo fictício como Lenny Savage (Philip Bosco) no filme A Família Savage (vale a propaganda aqui):


A minha banda favorita de heavy metal é o Sentenced. A maioria de suas músicas reflete a angústia e solidão humana no cessar da existência, a música “No One There” é uma das que retrata muito bem isso. Diferente da caricatura dos velhinhos nas propagandas de planos de saúde, aqui está representado em melodia, poesia e filosofia o que é nossa vida na realidade(*):

Se nós discriminamos nossos antepassados em vida, merecemos o escárnio do amanhã. Nos olhos de cada ancião está o nosso passado, como fomos concebidos, nossa infância que não lembramos. Eles sabem de tudo, de todo amor, eles dedicaram suas vidas por cada um de nós.

Ame o seu passado, seu futuro reside nele.


(*) Obs.: Após uma vida de exploração neste sistema capitalista, quando não se tem recursos o final da maioria de nosso povo é muito mais difícil do que o casal da música. Por isso, que prefiro o Socialismo!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Discriminados: Obesos

Ok, da lista que me dispus a escrever, entre os discriminados, os obesos são comparativamente o grupo mais "light". Muito embora, apenas quem vive nesse mundo sabe o quanto ele é pesado.

No post anterior, escrevi brevemente sobre nossa regra imperiosa de viver em grupo. Qualquer característica sua que te afaste das pessoas, ou seja motivo de piada e escárnio, é uma dor constante. Se for um óculos, há cirurgias hoje que podem reparar seus olhos. No caso dos obesos, também, mas a eficácia de uma operação de redução do estômago nem sempre é tão eficaz, caso os hábitos alimentares não acompanhem essa mudança.

Não é exclusividade humana, porque somos animais, ora! Qualquer mamífero em cativeiro alimentado com comida em excesso se torna obeso. Na imprensa, na qual os humanos parecem ser criaturas de outro planeta, há um ar de surpresa, porque mais de 50% dos cães e gatos domésticos estão com o peso acima do normal. Dizem: "alimentos humanos" dados a esses animais(1). Pizzas, chocolate, bata frita e refrigerante são alimentos manufaturados por nós humanos, mas possuem base natural, amido, açúcares mais simples e água.


Outros animais, além de nós, adoram essas iguarias, da mesma forma que gostamos de alimentos manufaturadas por outras espécies, por exemplo, o mel de abelha.

Então não é surpresa saber que todos nós temos um programa genético para obesidade! Para não engordar em excesso no mundo atual de sedentarismo precisamos nos esforçar muito!!!

Na verdade, a maioria da população mundial hoje está acima de seu peso ideal, apenas no Brasil são 38,6 milhões e destes, 10,5 milhões de pessoas são consideradas obesas (2,3). Isso envolve adultos, adolescentes e crianças!

Por que somos assim? A resposta está em nossa evolução.

Para quem não leu, eis a oportunidade de ler os posts anteriores (é só clicar):
Olhos Pleistocênicos
Anacronismo

Quem já leu, ou melhor ainda, já possuía essa informação através de livros como “A Culpa é da Genética” (Burnham e Phelan, 2002) e “Instinto Humano” (Winston, 2006) está bem ambientado sobre esse assunto.

Simples assim, nossos corpos evoluíram nas planícies africanas do Pleistoceno, migramos e variamos um pouco em outros continentes. Apesar disso, nossa estrutura corporal continua a mesma, somos o mesmo povo pleistocênico.

Nesse nosso ambiente ancestral não existe a revolução tecnológica dos aparelhos refrigeradores de alimentos, ou conservantes industriais.

Somos programados para guardar o máximo de energia possível em nossos corpos na forma de glicogênio e tecido adiposo. Se você é um universitário da área das Ciências Biológicas e da Saúde sabe que cada parte de nossos corpos possui uma demanda e fonte de energia específica. Por exemplo, nosso cérebro funciona 24 horas, de domingo a domingo, seu descanso só se dá na morte. É um tipo de órgão de função contínua, mesmo em estado de torpor (conhecido vulgarmente como dormir), o cérebro continua operando na construção de mundos oníricos, fantasias e delírios subconscientes, às vezes, tão perfeitos que parece realidade. Tudo isso movido à GLICOSE! Esse monossacarídeo é a base de nossa energia metabólica, ele não pode faltar em seu sangue de jeito nenhum, momento algum... caso contrário, seu cérebro reclama e pode até entrar em estado de choque.

É o que acontece quando tomamos um porre grande e desmedido. O fígado entra em ação para desintoxicar o organismo e nesse trabalho acaba consumindo muita glicose. Quando os níveis de glicose sangüínea baixam muito, vem a dor de cabeça, perda de memória e até o coma!

Voltemos para nossa terra natal, lá nas savanas em pleno Pleistoceno. É estabelecido hoje que, entre outros fatores, o consumo de carne e gordura animal foi decisivo para o aumento de nosso cérebro. A carne é rica em energia facilmente digerida e transformada em glicose. É um alimento ideal para nós que precisamos tanto desse monossacarídeo. Não estamos sós nessa fome, chimpanzés também gostam muito de carne e hoje sabemos e temos até filmes dos nossos irmãos caçando macacos, ou predando outros pequenos vertebrados. Há uma diferença genética entre nós e eles, suportamos altos níveis de colesterol, enquanto descobrimos nos zoológicos que excesso de carne para macacos, matam eles muito rápido de problemas cardiovasculares. O efeito nocivo do colesterol em humanos é cumulativo e pode levar décadas para se desenvolver de forma prejudicial.

À parte o colesterol, quais os outros problemas no consumo de carne?

O primeiro e mais óbvio: ela não está disponível facilmente. Tem perna para fugir, dentes e às vezes chifres para se defender. Consumir carne, mesmo de cadáveres já abatidos, é competir com outros animais diretamente, ou indiretamente. Tudo isso requer muito esforço físico e mental.

O segundo problema é que a carne rapidamente apodrece! No Pleistoceno não tínhamos nenhuma tecnologia eficaz de armazenamento. Mesmo depois defumada a carne, ela continuava com um tempo limitado para seu consumo.

No primeiro caso, resolvemos o problema caçando de forma muito eficiente, tais quais nossos irmãos chimpanzés.

No segundo: transformamos o que comemos em gorduras!!! Assim como outros animais, fazemos reservas em nossos corpos. Sua gordura é o refrigerador pleistocênico natural de armazenamento alimentício.

Olhem para si próprios... Fizeram isso?! Compare o tamanho do seu corpo com todas outras espécies de animais hoje vivas. Quer desafio maior? Faça isso incluindo todas as espécies fósseis que você conhece. Feito isso o resultado é um só: a esmagadora maioria das espécies de animais é menor que você. Estamos no célebre grupo dos maiores animais que já andaram neste planeta.

Meus queridos leitores, os músculos de suas pernas são gigantescos comparados aos da perna de um rato. Mas, como entre os animais o grupo de maior diversidade é os Arthropoda, comparando-se agora aos músculos das pernas articuladas desses animais, somos colossais!

Esse nosso corpo gigante não foi feito para estar na frente de TVs e computadores por muito tempo. Temos que usar nossos músculos! No Pleistoceno isso não era problema, porque o principal alimento de nossos cérebros em crescimento tinha que ser tomado de outros, quando carniça, ou caçado. Sem contar na coleta de frutos e raízes, fontes de sacarose e amido (outras fontes de glicose com digestão e armazenamento diferentes do glicogênio da carne).

Comeu, teve um saldo positivo, sobrou energia, nosso corpo guarda em nosso banco de gordura para horas mais difíceis. Em nosso mundo atual, essas "horas mais difíceis" nunca vêm... mas, continuamos armazenando energia.

Há outros fatores, porque parece que também temos um padrão comportamental para quanto menos energia gastarmos na obtenção de alimentos melhor. Sim, a preguiça é mais genética do que se supunha! Voltemos às planícies africanas, matar uma zebra é um esforço muito grande, se um dia de sorte conseguíssemos abater uma apenas com um grito, seria perfeito.

Some tudo agora e o resultado é um só: obesidade!!!

Obesidade tão natural como os pães integrais e a salada verde!!!

A evolução cultural e tecnológica foi rápida demais para nossos corpos que continuam sendo... pleistocênicos! Bioquimicamente estamos programados a guardar todo excesso de energia, comportamentalmente temos o instinto de tentar gastar o mínimo de energia para obter o máximo. Se ficamos no sofá, assistindo TV com controle remoto, comendo macarrão, um pedaço de picanha bem gorda e muito refrigerante... é o paraíso! Gastamos quase nada de energia e todo excesso será guardado... bem guardado em seus quadris!!! Quer mais?! É instintivo e inusitado para as células de seu corpo ter tanta energia disponível que em seu cérebro é secretado endorfinas como recompensa por esse "lanchinho". As endorfinas trazem uma sensação de bem-estar... Por isso, algumas pessoas depressivas costumam comer muito... Elas sentem-se bem, porque a química neural traz uma certa sensação de paz, mesmo engordando.

Agora prestem muita atenção em uma ironia de nossas vidas. As pessoas que possuem obesidade mórbida, aquelas que chamamos de “gordinhas”, podem até comer pouco, mas seus organismos aproveitam o máximo, conseguem guardar com muita eficiência qualquer alimento. É aquela história de “engordo com facilidade”.

É um perigo hoje, mas essas pessoas seriam um sucesso evolutivo nas planícies africanas. Ah! Elas não seriam obesas! Vejam os Massai de hoje, há algum obeso por lá? Mesmo que haja sutis diferenças entre os indivíduos, diferenças de aptidão (uma das condições para a seleção natural ocorrer), eles possuem uma aparência média e não são obesos.

O sucesso evolutivo de ontem, a agonia de hoje!

Há dois séculos avançamos demais em pesquisas em todas as áreas do conhecimento humano. Descobrimos todos os males do acúmulo exacerbado de gordura em nossos copos. Na Idade Média, pessoas gordas eram consideradas saudáveis, bem alimentadas. Era até um dos sete pecados capitais: a gula. Deveria ser punido, não porque fazia mal ao indivíduo obeso, mas sim por ter tanto para si próprio, onde a maioria passava fome. Hoje sabemos que isso não é assim.

As ciências médicas indicaram caminhos da boa saúde: controlar ao máximo nossos instintos. Por isso, é tão difícil fazer dieta!!! Toda vez que você estiver fazendo isso, está lutando contra milhões de anos de evolução de seu próprio corpo, uma história milenar de adaptação falando: coma, coma, coma. Se colocar um grande e suculento filé em sua frente: devore-o. Dá até lágrimas nos olhos de tanto prazer.

Pode-se ficar muito doente por causa do excesso de peso, como também se pode ficar doente por todo e qualquer excesso. Até água em excesso (hiponatremia) mata, como aconteceu há exatamente um ano atrás com o britânico Shaun McNamara(4).

Além de tudo isso, algumas pesquisas indicaram que nós somos relativamente parecidos com nossos amigos. Vestimos roupas semelhantes, ouvimos as mesmas músicas, falamos sobre os mesmos assuntos, temos uma identidade cultural. O corpo meio que acompanha isso, caso tenhamos amigos obesos, tendemos a ganhar peso também. Obesidade parece ser socialmente contagiosa (5).

Isso não implica que para ser magro deve-se ter apenas amigos assim. Apenas é uma constatação que compartilhamos problemas, pior seria enfrentá-los sozinho.

Chegamos a nossa atual sociedade ocidental... alienada e neurótica. Pessoas obesas passaram a ser interpretadas como preguiçosas e doentes. Sem contar toda a mídia de louvor à magreza e corpos irreais criados através do Photoshop.

Não temos mais costureiras e alfaiates, compramos nossas roupas prontas, baseadas em modelos e modas pré-estabelecidas. Nesse mundo, qualquer minoria está fora. Pessoas obesas sabem o que sentem quando vão às compras.

Todos nós temos um(a) amigo(a) que chamamos “gordinho(a)”, muitos deles são bem simpáticos, tão simpáticos que parece uma defesa a toda discriminação que sofrem. Eu prefiro os ranzinzas, como meu grande amigo Eduardo Sérgio Medeiros (hoje professor de Física da UFPB). Quem o conhece sabe do que escrevo: ele fala na cara, é curto e muito grosso. Entretanto, é um amigo sincero e estava sempre presente quando precisávamos.

Em homenagem ao meu amigo gordinho do heavy metal e todos os obesos de coragem deste mundo, segue a música da banda S.O.D. "Seasoning the Obese" ("Temporada dos Obesos"):

Cuidem-se! Isso não quer dizer “saiam para as academias agora”. Apenas tornem suas vidas saudáveis, possuam um bom convívio familiar, amem, sejam amados e tenham amigos. Sejam eles obesos, ou magros!

Sem excessos!!!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Discriminados: Deficientes

Devido à inclusão de mais um tema na lista dos discriminados (ateus), eu resolvi unir em um único post deficientes físicos e mentais, mesmo que eles variem consideravelmente em causas e estrutura comportamental.

Se você nasceu um homem, heterossexual e branco, não sofrerá nenhuma das discriminações postadas anteriormente (mulheres, homossexuais e negros). Entretanto, há uma tênue linha vermelha que pode ser ultrapassada por um acidente, ou algum tipo de doença, onde esse homem pode se tornar deficiente. Em outras palavras, falar de loucos e deficientes físicos nos comove, porque todos nós, por motivo ou outro, podemos ser um dia assim.
Deficiência mental pode ser causada por várias causas, um desenvolvimento embriológico afetado por agentes teratogênicos, síndromes cromossômicas, acidentes envolvendo lesões cerebrais e as doenças relacionadas à velhice que levam a demência.

De forma similar, deficientes físicos podem ser resultado de má formação embriológica, acidentes e devido à senescência de nosso corpo.

Entretanto, ao classificarmos alguns tipos de deficientes como "loucos", essa loucura em si nos fascina por um lado e deixa-nos desconcertados por outro. Loucura é para alguns quebrar regras sociais, ou mesmo correr riscos desnecessários. Por outro lado, não entender e deixar de cumprir regras sociais é comparado ao estado bruto animal, como defecar em praça pública, agredir uma pessoa sem motivos, nadar nu no lago artificial em frente ao Palácio do Planalto.

Já escrevi no post
Realidade, que há forças genéticas e sociais fortíssimas definindo comportamentos médios, onde a maioria forma a regra. Entre nós humanos quão mais longe da média você estiver, menos atrativo será. Isso serve para todos os discriminados, em vias de regra, porque não formam os núcleos da "maioria".

Não vemos com facilidade animais loucos por aí, qualquer desvio exagerado no comportamento é eliminado pela seleção natural. Por exemplo, se baleias líderes perdem a capacidade neurosensorial eletromagética podem guiar todo baleal para a morte na praia. Uma mudança letal no comportamento.
Ter deficiência física também é raro e quase impossível em estado natural. Um pássaro sem uma das asas, uma barata sem antenas, um lobo sem uma das pernas, nenhum sobreviveria por muito tempo.


E nós humanos?

Antes de qualquer coisa saibamos que somos animais socais, isso implica em uma base genética para esse tipo de comportamento. Fácil de entender, imagine-se ter que ir para um local repleto de pessoas que te odeiam. Imaginou? Dá um frio na barriga, não dá? Faça o contrário, imagine um local repleto de pessoas que gostam de você. Aí vem um sentimento de bem estar e até uma vontade de correr urgentemente para esse lugar.

É geneticamente imperioso: temos que ser aceitos em um grupo, ficar só para nós macacos sociais é sofrer de depressão por solidão. É tão forte, que muitos terminam hospitalizados, ou, em extremo, cometendo suicídio.

Solidão pode matar! Na natureza mais ainda. Se um macaco é expulso de um grupo, ele dificilmente será aceito por outro. Não estou escrevendo da migração das fêmeas em
Pan troglodytes, nem das dos machos em Pan paniscus. É o expurgo do macaco ômega... Ficar só é morte certa.



Pessoas com deficiência lutam para serem aceitas. Lutam com todas as forças para tentar levar uma vida normal, mesmo que isso em algumas vezes seja quase impossível.



Três coisas em graus de importância nos fazem preservar indivíduos com algum tipo de deficiência ou doença mental entre nós: amor materno, princípios éticos e auto-preservação por empatia.

Como já escrito neste Blog, amor de mãe é genético e incondicional. Filhos com problemas, em média, não deixam de ser amados como filhos... ou até mais amados ainda, caso sejam frágeis e dependentes.

Por princípios éticos, grande parte dos povos humanos atuais defendem os direitos humanos, sendo o mais básico, o direito à vida. Isso é algo recente e oficializado no século XX (ONU, Declaração dos Direitos Humanos, 10 de dezembro de 1948). Todos conhecemos histórias de povos que não toleram qualquer tipo de deficiência, o exemplo clássico de Esparta, ou nas culturas dos nossos ameríndios.

A empatia é um sentimento genético dos primatas, nós nos colocamos no lugar de outros. É tão forte que, por exemplo, podemos chorar aos prantos em filmes de pura ficção, onde os personagens nem existem, ou mesmo podem nem ser humanos, como a cadela Lassie (décadas de 1950-1970). A empatia no caso das pessoas com deficiência é algo demonstrado também como auto-preservação, pois se não demonstrássemos sentimentos para essas pessoas, podemos nós mesmos a qualquer momento estar entre elas.

Notem que apesar de escrever sobre grupos humanos discriminados, eu não quero dizer que todas essas pessoas sejam perfeitas em sentimentos, moral e ética. Pode haver cafajestes brancos e negros, pervertidos heterossexuais e homossexuais, mulheres e homens cínicos, deficientes físicos e normais misantropos!

Somos todos humanos com virtudes e defeitos!

Vejam Erik, o Fantasma da Ópera, com rosto deformado, não é nada gentil do início ao quase final da história... seu ódio por Raoul é de ciúmes e amor por Christine... Erik é um homem comum, tem o rosto desfigurado, mas apaixonou-se e queria ser correspondido. Como isso não aconteceu, como diria um amigo meu, "o pau comeu".

Isso tem que ser bem compreendido, porque no folclore popular, muitas vezes, alguém com deficiência física é apontado como merecedor do sofrimento e até escárnio. Para ilustrar isso, lembro de uma história de minha infância. A vizinha lá de casa possuía paralisia corporal nas pernas e dificuldades na fala. Cheguei a vê-la caminhando com ajuda da mãe várias vezes. Todavia, com o passar dos anos e a não melhora do quadro, ela passou a ficar reclusa em sua casa.

Quando mudamos para lá, ela já estava assim, mas diziam na rua que foi um acidente de carro responsável por toda essa dor. As pessoas falavam o quanto ela era bonita, quão orgulhosa era, que andava com "homens-de-carro" e nem cumprimentava seus vizinhos. "Deus a castigou", falavam!

Mesmo menino, eu nunca acreditei nisso e lembro muito bem das manhãs que ela acordava, presa na cama por sua deficiência, tinha que gritar por sua mãe para ir ao banheiro. Não eram gritos nada agradáveis de ouvir.

Todos nós podemos estar sujeitos a situações assim e é mais fatalidade do que algum plano cruel divino.

Lembro ainda quando criança do dia em que tentei usar as muletas de uma visita familiar, que estava com a perna quebrada. Queria só ver como era... Minha mãe ficou uma "arara" comigo e quase apanhei feio. Ela não queria ver seu filho usando muletas, nem por brincadeira!

Eu entendo o medo que ela sentiu, até porque, anos depois, seu irmão (Tio Jorge) teve três derrames cerebrais (AVCs) e ficou paralisado. Morreu no quarto derrame e já usava fralda geriátrica. Tio Jorge foi um homem comum, temente a deus, morreu deficiente e completamente dependente de sua esposa.

Em nosso cotidiano é estranho como nos esforçamos para esconder isso de nós mesmos. Construímos manicômios para os loucos, guardamos em casa nossos deficientes... é como se eles não existissem. Estão ausentes na maioria dos romances clássicos, filmes, novelas, nos lugares que andamos, nas repartições públicas, escolas, hospitais, etc.

Onde estão essas pessoas?

Novamente, lembrem-se do tamanho populacional de nossa espécie, somos 6,5 bilhões de indivíduos. Isso significa que 1% desse montante é da ordem de 65 milhões de pessoas!!! Segundo Cristina e Resende (2006), no Brasil são cerca de 24,5 milhões de pessoas com alguma deficiência física. Isso é quase duas vezes mais do que toda a população do Chile!!! Esse dado não inclui os deficientes e doentes mentais.

Em nossa constituição há direitos dos portadores de deficiência física e há lei nacional para que sejam ofertadas e preenchidas vagas no serviço público (artigo 37, VIII, da Constituição da República, princípio da igualdade, art. 5º, caput da CR/88, Lei Federal n° 7853, de 24 de outubro de 1989). Isso deveria ser também aplicado no setor privado.

Entre os loucos famosos, cita-se Van Gogh e mesmo Nietszche, que terminou seus dias entre loucos delírios se auto-identificando como o Deus Dionísio em carne e osso. O personagem que até hoje mais me emocionou foi Forrest Gump. Lembro que em 1994 sai do cinema segurando as lágrimas pensando "é só um filme, não existem 'Forrest Gumps' na vida real". Eu estava enganado?!




Entre os deficientes físicos, não deixo de prestar sempre homenagem a Stephen Hawking. O maior físico contemporâneo, era um homem heterossexual, branco e de sucesso acadêmico. Casou-se, teve três filhos e descobriu que era portador de
esclerose lateral amiotrófica.

No Brasil, há Antônio Francisco Lisboa (o "Aleijadinho") que também é um ilustre exemplo de alguém normal que teve de enfrentar infortúnios da hanseníase (ou outra doença não identificada). Diferente de Stephen Hawking, nosso exemplo brasileiro morreu pobre e abandonado.


Sem contar que eu teria o maior prazer como professor de ter um aluno tão dedicado e brilhante quanto Ricardo Silva de Várzea Alegre -CE:


Minha própria irmã é portadora de Esclerose Múltipla. Ela é casada, tem uma filha linda, é funcionária federal e leva uma vida normal. Controla a doença através do uso de beta-interferon, dieta e uma calma que é só dela.

Sobre tudo isso, acho que minha mãe está certa em uma coisa: tem é muita gente por aí reclamando da vida desnecessariamente. Quer dizer, ela usaria as seguintes palavras "tem gente de bucho cheio reclamando"... rsrsrs!!!

É de responsabilidade humana tornar o mundo melhor em todos os sentidos. Isso implica no combate à qualquer sistema político, social e econômico de exclusão e desumanização, como esse nosso mundo capitalista e alienado em que vivemos.

Ao escrever este post, não tirei da cabeça a propaganda contra o preconceito dos portadores da Síndrome de Down. A música é do Radiohead ("Fake Plastic Trees", 1995) e selecionei esse vídeo para representar todos os discriminados comentados aqui:


Tenham preocupações e ações verdadeiras!
Para saber mais:
http://www.revista.inf.br/contabeis08/pages/artigos/cc-edic08-anoIV-art03.pdf
http://www.icb.ufmg.br/lpf/revista/revista1/volume1_loucura/cap1.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deficientes
http://pt.wikipedia.org/wiki/Defici%C3%AAncia_mental

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Discriminados: Negros

A cor da pele é genética, isso sim, está bem estabelecido e é ensinado nas escolas e universidades do mundo inteiro.

Nossas cores vão do branco albino ao negro ébano, uma gradação de melanina e mestiçagem está entre um extremo ao outro. Variação de cores é comum em outras espécies, por exemplo, as lagartixas noturnas chamadas por aqui de "bribas" (Hemidactylus mabouia) podem ser brancas, ou escuras. Ambas variedades pertencem a mesma espécie. Outro exemplo é o das borboletas européias que possuem cores claras e escuras, após a revolução industrial virou exemplo clássico da seleção natural. Cito para finalizar nosso maior predador neotropical, a onça, que pode ser pintada, ou negra.

Cores da pele, dos pelos, das penas, das asas de uma borboleta, todos os padrões podem ter uma explicação adaptativa para a sobrevivência das espécies, ou mesmo serem importantes na seleção sexual. Neste último caso, vemos bem nítidas e lindos coloridos das penas dos machos nas aves.

Já o primeiro caso é o que se aplica a quantidade de melanina na espécie humana. Hoje sabemos que nascemos na África e depois migramos para os outros continentes. Nossos ancestrais eram negros e a melanina de suas peles era uma das adaptações à vida nas planíces africanas de sol abrasador.

A evaporação das gotículas de suor na pele diminui o calor de nossos corpos. Para isso funcionar, precisamos de uma pele quase glabra. Uma pele nua ao sol abrasador pode desenvolver câncer cutâneo. Pior é o que pode acontecer com as mulheres grávidas, a radiação ultravioleta destrói o ácido fólico, que é fundamental para o desenvolvimento embrionário. Uma pele escura com muita melanina é uma barreira natural contra tudo isso (ver Jablonski, 2004, Jablonski e Chaplin, 2000, 2002) e, claro, permite que o sistema de refrigeração por evaporação do suor funcione. Para Nina Jablonski, nas regiões temperadas há muito menos sol do que nos trópicos. A pele branca segue esse padrão, porque precisamos do sol para formar vitamina D.

Jablonski encontrou uma fórmula convincente da distribuição ancestral humana, com as peles mais escuras nos trópicos e claras em regiões temperadas. A pele e a quantidade de sol são assim relacionadas.

A genética por trás do controle da quantidade de melanina na pele feita por peixes é a mesma para nós humanos. Isso foi publicado em 2005 sob a liderança de Keith C. Cheng (ver Cheng, 2008). Um de seus colaboradores, Mark D. Shriver defende a hipótese contrária ao parágrafo anterior (Wade, 2005). Para Shriver os africanos possuem muito mais melanina do que o necessário para a proteção de raios ultravioleta. Por isso, a cor da pele deve refletir a seleção sexual, na África as mulheres preferiram os homens escuros, na Europa e Ásia as escolhas foram pelos claros.

Em ambos os cenários evolutivos ser negro nas savanas africanas no Pleistoceno é sinônimo de sucesso adaptativo!

Entretanto, sabemos muito bem que a cor da pele foi e é usada como um fator de discriminação. Se você for albino será tratado como um doente e também será discriminado, caso seja negro é certeza te olharem pelo menos uma vez na semana como um humano inferior.

Quando dois povos humanos se encontram e há desigualdade tecnológica e armamentista entre eles, haverá muita dor pela frente. Cor da pele e escravidão são temas unidos pela história, mas vou deixar essa parte para o final deste post. Por enquanto escrevo que através dos milênios, além das nações africanas, muitos povos foram escravizados. Escravidão e exploração humana é algo ainda presente neste século, uma vergonha para nós todos.

Em 1998 eu havia conversado algo sobre discriminação científica com meu orientador, Martin Lindsey Christoffersen. Dessa conversa e outras mais surgiu um artigo que será publicado neste ano na revista História Ciência Saúde Manguinhos. Como o assunto era discriminação, ele me mostrou um livro que havia lido de autoria de J. Philippe Rushton (1997). Tratava sobre evolução, raças humanas e comportamento de forma polêmica. Era um livro síntese e o autor falava logo no prefácio que não conseguiu publicar suas idéias e teve que financiar ele mesmo suas publicações. Rushton dizia que havia sido discriminado, porque ousou abordar tabus sobre as diferenças biológicas das raças humanas. Digo a vocês que não é um livro fácil de ler, não pela linguagem, mas devido os dados apresentados.

Lá estão pesquisas estatísticas expressas em médias, por isso Rushton (1997, 1998) deixou claro que isso não envolve indivíduos, pois estes variam da média. Também escreveu que não existe uma raça padrão para cada dado estudado. Apesar disso, o que foi escrito por ele é combatido até hoje.

Gostei apenas do enfoque evolutivo e que possui coerência com os dados da genética. Primeiro surgimos na África, depois migramos e adquirimos certas características biológicas na adaptação dos ambientes que colonizamos. Apenas isso.

Segundo Rushton a seqüência dos eventos na evolução humana em vias de generalização foi a seguinte: primeiro os negros, depois os brancos e por último os amarelos (orientais).

Negros e amarelos seriam dois extremos. No primeiro caso, haveria maior dimorfismo sexual, maior quantidade de testosterona no sangue e menor QI, entre outras características. Rushton afirma que em média negros são mais agressivos, promíscuos (por serem sexualmente mais ativos) e terem um desempenho intelectual menor. Isso sim é polêmica!

Mesmo assim, Rushton virou best-seller no Japão! Os orientais gostaram de ler que eram os humanos mais evoluídos, pacíficos e inteligentes na Terra.

Bem, quanto a testosterona a mais nos negros, segundo Rushton (1997), isso implica, além da agressividade, uma auto-imagem boa, ou seja, auto-estima em alta. Enquanto os orientais possuem os menores índices de testosterona. Para Rushton isso explica a perseverança dos negros mesmo em condições de vida difíceis, enquanto os orientais por qualquer problema cometem suicídio. Os povos nativos das Américas são descendentes de orientais, talvez essas características hormonais e físicas foram determinante para a resistência negra e a tão falada dificuldade de manter índios escravos. Recordo a vocês que o suicídio entre os índios é muito comum após a destruição de sua cultura e confisco de terras. Os negros resistiram a dificuldades bem mais profundas do que essas. São verdadeiros heróis da resistência, coragem e fé.

Tenho poucos amigos negros e brancos, a maioria de meu mundo social é parda. Embora minha vida não seja uma boa amostra para se entender completamente os seres humanos, é nesse mundo que vivo. Encontrei pessoas de todos os tipos e nunca correlacionei agressividade a cor da pele. Pelo contrário, no ensino médio o único negro da sala era protestante, calmo e vivia me falando de amor ao próximo.

Ademais, a superioridade branca tão falada não passa de uma sorte de estar no lugar certo, na hora certa e adquirir as doenças certas. É o âmago das idéias de Jared Diamond em "Armas, Germes e Aço" (2001). As civilizações mesopotâmicas dominaram o mundo pelos animais que domesticaram, as plantas cultivadas, a tecnologia do aço e a imunidade às doenças que enfrentaram. A varíola e a gripe varreram o Novo Mundo de forma muito mais eficiente do que qualquer exército poderia fazer.

Concordo com Diamond (2001) que não foi uma questão de diferença de QI, ou criatividade. O ambiente e os animais domesticáveis, onde as pessoas vivem é determinante para o tipo de civilização a ser desenvolvida. As doenças foram transmitidas pelo gado bovino, suíno, caprino e ovino (como hoje temos o mal da vaca louca e a gripe aviária), a imunização veio pelos sobreviventes.

Não é uma questão de me fazer politicamente correto, prefiro Diamond a Rushton porque vejo mais coerência nos dados apresentados.

Agora falando de escravidão de pessoas negras e os fatores de discriminação.

Um de meus maiores amigos é o prof. Darlan de Oliveira Reis Júnior, historiador e pesquisador sobre a escravidão. Nos trabalhos de Reis Júnior aprendi que a escravidão foi a mola propulsora da vida econômica brasileira por três séculos. Mais do que isso, ter escravos refletia um padrão social:

"A propriedade de escravos, entretanto, não se limitava a uma classe pequena dominante. Apesar dos ricos fazendeiros terem sido sempre os donos da maioria dos escravos brasileiros, particularmente nos últimos anos, havia muitas pessoas pobres que viviam do trabalho de um ou mais cativos." (Conrad, 1975 apud Reis Júnior, 2006).
Reis Júnior (2006) acrescenta que esse fenômeno de escravos como um bem de consumo acontecia até em municípios como Crato-CE no séc. XIX, onde a presença dos escravos era dita muito baixa.

Imaginem séculos, onde neste país pessoas negras, caboclos e mulatos foram tratados assim, como objetos. Pensei muito nisso quando comprei meu primeiro carro. Vi naquele momento que estava ascendendo socialmente pelos objetos que estava possuindo. Há apenas dois séculos atrás, essa impressão era dada pela compra de outros humanos.

Eu sou pardo e meu avô materno tinha uma pele muito escura. Falam em minha família que a minha bisavó materna foi uma escrava. Nunca fui atrás de confirmar as verdades dessa história. Gosto dela assim e das características do mestiço que sou. Gosto de ter essa identidade brasileira como o mulato que era Machado de Assis, um de meus autores preferidos.

Claro, sei que a vida poderia ter sido mais fácil se tivesse uma pele rosada e olhos azuis. Fazer o quê, senão lutar para ser feliz?! De todos os posts deste Blog a respeito da discriminação humana a cor da pele agrava qualquer um. É só conjugar para sentir as palavras: uma mulher negra, um homossexual negro, um deficiente mental negro, etc.

Um amigo meu me falou certo dia: "seu carro (um Gol) é a sua cara de pobre, se você comprasse um Honda Civic iriam parar e revistar você em toda blitz policial". Isso é uma verdade para mim que sou pardo, imaginem para os negros?!
O racismo está impregnado em todos os setores da sociedade, dos jornais da TV com reporteres brancos até as novelas de casas de luxo e personagens principais... também brancos. Tudo isso neste país crioulo que é o Brasil.

Para finalizar, mesmo sendo piegas, escrevo alguns dos nomes dos maiores negros/ negras que conheço: Martin Luther King, Mohamed Ali, Steve Biko, Mandela, Benedita da Silva, Elza Soares, Gilberto Gil, Chico Cesar e o nosso Pelé!!! Há ainda Barack Hussein Obama, descendente de queniano nascido no Hawaii e que representa uma das maiores esperanças para o povo americano. Um negro no comando do país da Ku Klux Kan... Torço demais por ele, ou mesmo que não seja assassinado.

Èpa Bàbá! Oxalá!!!

Referências
Cheng, KC., 2008. Skin color in fish and humans: Impacts on science and society. Zebrafish, 5(4): 237-242.
Diamond, JM., 2001. Armas, germes e aço. Editora Record.
Jablonski, NG., 2004. The evolution of human skin and skin color, Annual Review of Anthropology 33: 585–623, doi:10.1146/annurev.anthro.33.070203.143955
Jablonski, NG. e Chaplin, G., 2000. The evolution of human skin coloration, Journal of Human Evolution 39: 57–106, doi:10.1006/jhev.2000.0403.
Jablonski, NG., e Chaplin, G., 2002. Skin deep. Scientific American, 287 (4): 74-82.
Reis Júnior, DO., 2006. Trabalhadores no eito: Escravos negros no Crato oitocentista. Documentos Revista do Arquivo Público do Ceará, 1(3): 121-135.
Rushton, JP., 1997. Race, evolution and behavior: A life history perspective. 2nd Special Abridge Edition. Transaction Publishers.
Rushton, JP., 1998. The new enemies of evolutionary science. Liberty, 11(4): 31-35.
Wade, N., 2005. Gene That Determines Skin Color Is Discovered, Scientists Report. NYTimes.com: http://www.nytimes.com/2005/12/16/science/16gene.html

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Discriminados: Homossexuais


Escrever e falar de discriminação muitas vezes vêem com uma série de discursos prévios explicando isso e aquilo. As pessoas que abordam esse assunto, na maioria das vezes, não querem se identificar com os discriminados.

Homossexuais (homens e mulheres) são o exemplo clássico. O tema envolve vários aspectos, mas sobretudo envolve sexo e este sempre nos faz mais curiosos.
Outro aspecto importante é que falar de homossexuais inclui tabus sociais, como o sexo anal e oral, só de falar e escrever também deixam as pessoas rubras, ou mesmo até fazendo o sinal da cruz!
A identificação é algo assim: se você fala, ou escreve e não destrata homossexuais é porque gosta deles/delas. Se você gosta é porque também é um deles, se é um deles merece sofrer escárnio, se você não é de forma alguma um deles/delas, no mínimo é amigo, se é simpatizante... é um deles/delas... volta tudo para o escárnio.

Todos nós sabemos hoje que homossexuais são seres humanos e como tal sua sexualidade é definida geneticamente.

É um fato constatado tanto em humanos, quanto em vários outros animiais (macacos, leões, cavalos, ratos, hamsters, moscas, etc.). Apesar disso, há ainda muita discussão sobre essa informação científica.

Há aqueles que não aceitam a ciência, seja pela defesa, seja pelo ataque aos homossexuais.
Quem defende prefere os discursos do livre arbítrio e da tábula rasa, um homossexual é fruto do meio em que vive e escolheu sua opção sexual. Os que são contra, defendem esse mesmo ponto de vista, mas como vêem nessas pessoas algo de muito ruim, acham que essas escolhas sexuais são reversíveis, bastando assim convencer eles/elas a mudarem de vida.
Ambos estão absolutamente errados!

Heterossexuais não possuem esse nível de discussão e é ensinado desde cedo nas escolas o desenvolvimento embriológico e a base genética deles. Todos nós conhecemos as definições cromossômicas do sexo em nossa espécie XX para as fêmeas, XY para homens. Entretanto, esse não é um conhecimento total, porque não são os genes em questão, mas sim o cariótipo. Os genes que expressam a sexualidade estão nesses cromossomos, os genes de heterossexuais e homossexuais.

Já fizeram pesquisas das mais variadas formas e maneiras, não foi encontrada nenhuma evidência científica para os mitos populares que indicavam (1) a criação por um pai austero, (2) criação por pais separados, (3) criação apenas por mulheres, (4) modismo de adolescentes, (5) criação por pais liberais e (6) criação por pais adotivos. Ficou demonstrado que em todas essas situações os filhos podem ser ou heterossexuais, ou homossexuais, não havendo qualquer relação com a sexualidade em si.

E querem saber? Nós sabíamos muito bem disso, mas não queríamos admitir por preconceito e discriminação. Uma base genética para a sexualidade implica em genealogia. Ou seja, se sou heterossexual é porque venho de pais assim... Se sou homossexual?! Claro, não quer dizer necessariamente que essa correlação ocorra diretamente, mas que há na família de uma criança homossexual um parente assim.

Não gosto das comparações que li, ou como ouvi em sala de aula exemplos comparando a "problemas cardíacos", "hipertensão", coisas com base genética, mas que possuem conotações negativas... porque são doenças. A melhor comparação didática é assim: similar a cor dos olhos, a textura do cabelo, etc. É genético e faz parte da nossa espécie, são seres humanos como qualquer outro.

A história das perseguições é muito forte, está em movimentos estúpidos e violentos como a inquisição, os campos nazistas de extermínio e a eugenia. Muitos não gostam de falar sobre a biologia por trás da sexualidade, porque temem que algo como a eugenia volte acontecer. Se homossexualismo é genético, quem quiser eliminar todos, terá que matar famílias inteiras e não apenas os homossexuais em si.

Repetindo porque é para fixar: não temos o menor problema em aceitar os dados científicos a respeito da genética por trás da cor dos olhos, pouco ainda sobre como meninos e meninas heterossexuais são formados (sabemos detalhes desde a gametogênese até as descargas hormonais embrionárias e na adolescência). Temos várias séries de livros que são verdadeiros manuais passo-a-passo do desenvolvimento humano heterossexual (pe., Biddulph, 2002, 2003, Preuschoff, 2006). Entretanto, quando falamos de homossexuais há protestos e vozes nervosas em demasia.

Para entender melhor atenham-se agora a expressão da sexualidade. Há diferenças sexuais desde criança, meninos são mais agressivos e competitivos que as meninas. Estas são cooperativas, sentimentais e dominam melhor a linguagem (falada, escrita e expressa corporalmente). Ninguém ensina as crianças isso. Culparam a cor das roupas, o tratamento diferenciado dos pais para meninos e meninas, os brinquedos e as brincadeiras impostas. Novamente, após pesquisarmos, sabemos hoje que meninos e meninas são geneticamente assim. A educação (cultura) influencia sim em como essas pessoas irão se portar como cidadãos e quais conhecimentos terão a respeito da vida como um todo.

O problema é que nesse meio há homossexuais e eles são tratados como heterossexuais!!!

Não estou falando de igualdade em educação, compreenda, mas sim do olhar que define o ser humano com apenas dois sexos, onde há bem mais de três.

Não adianta criar um menino heterossexual como uma menina. Isso já foi feito, haverá seqüelas psicológicas, mas o menino continuará sendo heterossexual. É hoje fato científico (pe., Wright, 1996, Baker, 1997, Burnham e Phelan, 2002, Pease e Pease, 2000, 2003, Zimmer, 2003, Pinker, 2004, Winston, 2006).

Agora imagine ser homossexual e viver nesse mundo?! Espancamentos dos pais, espancamento dos "coleguinhas" na escola e escárnio social permanente. É assim que se narra a maioria das histórias dessas crianças.

Expressar a sexualidade genética é sim modulado pelo meio social. Nós sabemos disso, porque somos macacos, mas não somos chimpanzés, entenderam? Há diferenças culturais entre nós e nossos irmãos chimpanzés do gênero Pan.

Eu não posso, por exemplo, ter atração por uma mulher e simplesmente mostrar minha genitália excitada para ela em qualquer lugar, ou mesmo, quando sozinho com ela, a qualquer momento. Há normas sócio-culturais e até modismos de gerações para isso.

Homossexuais são pessoas normais, possuem seus desejos e atrações. Podem ser correspondidos ou não, como qualquer heterossexual. Uma cantada deles/delas não deveria ser considerada uma ofensa, porque é uma manifestação de carinho e desejo comum a qualquer ser humano.

Sempre desafio a lenda urbana de que o meio universitário é dominado por homossexuais. Pergunto aos meus alunos assim:

"Por que vocês encontram mais homossexuais aqui na universidade do que fora dela?"

A resposta mais comum é "leitura demais deixa homens e mulheres loucos".

A resposta correta: "pessoas com educação são mais tolerantes. Por isso educação e cidadania andam juntas!"

Grandes centros urbanos são locais onde há educação do maternal ao doutorado (hoje inclui-se até pós-doutorado). Quanto maior o grau de educação de boa qualidade, mais as pessoas se tornam cidadãs, no mínimo passam a saber seus limites e respeitar os direitos das outras pessoas.

As escolas e universidades humanificam o macaco que somos!!!

Pelo menos deveriam ter esse papel.
Todos nós heterossexuais temos pelo menos uma história de discriminação a homossexuais para contar. Todavia, pegamo-nos muitas vezes como o advogado Joe Miller (Denzel Washington) no filme Filadelfia, sempre nos explicando porque respeitamos eles/elas, que até somos "amigos"... mas não somos "gays". Esse final exprime o medo que sentimos de sofrermos o que eles/elas sofrem, sermos discrimados tanto quanto, de viver sem direitos civis, em solidão e até enfrentar a lei de estados e toda a sorte de religiões de amor, paz e inúmeros infernos para os hereges e pagãos homossexuais. Todos humanos demasiado humanos.

As fotos abaixo são de jovens iranianos homossexuais, assim como as mulheres adúlteras, eles são mortos publicamente, mas ao invés de apedrejamento aplica-se o enforcamento.



Há alguns anos atrás meu pai me apresentou ao irmão dele que eu não conhecia. Aos 28 anos de idade conheci um tio meu e nada demais. Após a morte dele, minha mãe me contou em tom de curiosidade, ele era homossexual. Tinha se separado da esposa e teve casos com garotos até sua morte. Não o conheci direito, só troquei algumas palavras e atendi ele com um alô ao telefone algumas vezes, mas sei muito bem que se escrevesse o seu nome aqui a família dele me atacaria, ou mesmo me processaria por isso. Sabem, eu não gostaria de conhecer primos meus dessa forma, ou trazer problemas para minha mãe. Escrevo isso apenas para vocês entenderem muito bem este post.

Minha esposa também possui dois tios homossexuais, vi um deles no enterro de meu sogro. Chorava muito pela morte do irmão, assim como ele, dizia aos soluços que também era diabético e estar muito enfermo. Meu sogro há anos havia cortado ligações familiares com ele e nem queria ouvir falar do nome de seu irmão homossexual.

Da mesma forma que essas pessoas não podem ter nomes aqui, em minha infância conheci dois irmãos "anônimos" que jogavam bola conosco. Um deles era afeminado, por causa de sua fragilidade, arrancava gargalhadas da molecada e era espancado pelo irmão na frente de todos. Este último morreu em um acidente de carro, o pai declarou em público que havia morrido com ele. O irmão sobrevivente anos depois deixou sua casa para assumir sua homossexualidade, lembro dele no ônibus na hora do almoço com sua bolsa preta. Estava meio alcoolizado e chorava um pouco. Eu não sei o motivo, talvez por causa de meu visual da época - "maluco beleza do metal" - , mas ele desabafou um pouco comigo. Foi a última vez que eu o vi em minha vida.

No jogo de bola ele era um péssimo goleiro homossexual, eu era o pior zagueiro heterossexual, mas nunca me espancaram por errar um chute a gol, como o irmão dele fez.

Eu nasci assim, heterossexual, quando mulheres se aproximam de mim eu sinto atração. É genético e fisiológico, um sentimento similar a fome e a sede, porque reprodução também é sobrevivência. Eu tenho esse desejo, identifico as mulheres como lindas e gostosas. Às vezes fui correspondido e é muito bom namorar e transar com elas. Sair para o cinema, andar de mãos dadas em praça pública... coisas que chamamos normais.

Há indivíduos homossexuais entre nós do mesmo jeito, com seus desejos e sonhos. Mesmo se não conhecêssemos as bases genéticas e do desenvolvimento embrionário, teríamos que suspeitar da força natural por trás disso. Ninguém escolheria uma vida de discriminação e solidão social. Pais não desejam isso para seus filhos e, claro, não ensinam ninguém a ser homossexual, como também não fazem com heterossexuais.

Se você nasceu negro, sabe do que estou escrevendo. Não foi escolha sua, da mesma forma que você não pode mudar a natureza física da cor de sua pele. O mesmo está para os homossexuais.

Por fim, segue o vídeo da campanha internacional contra a homofobia (seria melhor chamarmos de humanofobia), peguei a versão em português para não deixar ninguém sem "entender" do que se trata:

Eu discrimino, tu discriminas, ele discrimina... Nós somos todos discriminados! Senão por sermos homossexuais, mas por sermos nordestinos, pardos, pobres, brasileiros, do interior, dos subúrbios... das cores, da língua, da música que ouvimos, da espécie que pertencemos... as faces da xenofobia e de todo o ódio catabólico noscivo.
Antes de cobrar seus direitos civis, trate de respeitar o dos outros!!!
Obs.1: Veja a bibliografia citada na parte de Referências deste Blog.
Obs.2: Nos comentários, postei o link de um artigo recente sobre genética e homossexualismo enviado por Leon Marrocos, mas ele não aparece completo. Click no link abaixo:
http://journals.royalsociety.org/content/rdd98tj9a5bk1xla/fulltext.pdf
 
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