quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Quando éramos vermes


No meio da década de 1980, os professores Martin Lindsey Christoffersen (UFPB) e Dalton de Souza Amorim (USP) levantaram hipóteses sobre evolução animal através de princípios da Sistemática Filogenética. Nessa época não haviam livros didáticos para graduação que abordassem a evolução animal nessa perspectiva. Martin e Dalton desencadearam um projeto chamado Filogenia dos Metazoa.

Quase uma década depois, o mundo viu o lançamento do primeiro livro de evolução animal totalmente baseado na sistemática filogenética: Nielsen, C., 1995.
Animal evolution: interrelationships of the living phyla. Oxford University Press.

Mesmo assim as hipóteses apresentadas por Nielsen (1995) diferiam, às vezes completamente, das que estavam sendo trabalhadas na UFPB e USP.

Fui orientando do prof. Martin no período de 1996-2003. Minha primeira missão no grupo de pesquisa em filogenia dos Metazoa foi minha monografia sobre a evolução dos Pentastomida, que resultou em um artigo publicado no
Journal of Parasitology em 1999 e em 2002 um capítulo no livro Biodiversidad, taxonomía y biogeografia de artrópodos de México: Hacia una síntesis de su conocimiento. Após isso, fui designado para trabalhar com grupos maiores, a fim de compor os detalhes das hipóteses sobre origem dos animais metaméricos (aqueles que têm os corpos divididos em segmentos, ou metâmeros... como nós mesmos!) e as interrealções filogenéticas dos grupos dentro de Metameria.

O grupo de pesquisa também era composto por Elineí Araújo-de-Almeida (hoje professora da UFRN) e passou a integrar outros dois jovens pesquisadores André Rinnaldo Senna Garraffoni (hoje professor da UFVJM) e Gustavo Sene-Silva (hoje biólogo da UFPR). A pesquisa sob orientação do prof. Martin começou em 1990 e até agora produziu um livro publicado na
Editora Holos (Almeida e Christoffersen, 2000, com segunda edição em 2001) e quatro artigos: um na Revista Nordestina de Biologia (Christoffersen e Araújo-de-Almeida, 1994), dois na Revista Brasileira de Zoologia (Sene-Silva, 2002 e Almeida et al., 2003) e um na Iheringia (Garraffoni e Amorim, 2003).

Uma das hipóteses diz respeito ao surgimento dos animais metaméricos e deuterostomados (como em nossos embriões os lábios do blastóporo originam o ânus e a boca surge depois) a partir de um ancestral protostomado (o inverso da descrição anterior, os lábios do blastóporo no embrião originam a boca e o ânus surge depois).

Antes de nosso trabalho era consenso mundial que nós animais deuterostomados tínhamos um ancestral compartilhado com os protostomados. Nós propomos algo diferente, na verdade, NÃO COMPARTILHAMOS um ancestral com os protostomados, mas sim SOMOS PROTOSTOMADOS MODIFICADOS.

Apontamos para evidências de que isso aconteceu nos mares profundos do Pré-cambriano (mais de 600 milhões de anos atrás). Nesse período, eramos pequenos poliquetos semelhantes aos Pogonophora (os vermes vermelhos da foto acima) e
Owenia.

Centenas de milhões de anos atrás respirávamos por difusão cutânea, vivíamos enterrados no solo do fundo do mar e não tínhamos olhos (as cores e luzes estavam lá, mas nós não as percebíamos). A comida nós obtínhamos por filtração da água, nunca tocávamos nosso amor, porque na reprodução machos e fêmeas soltavam seus gametas na água... de lá mesmo de nossos tubos enterrados na escuridão do solo marinho.

Em 2003 a banda Frameshift lançou seu primeiro álbum ("Unweaving The Rainbow") baseado nos livros do evolucionista Richard Dawkins. A música que mais gosto se chama "La Mer" e tem um trecho que sempre me lembra nosso trabalho sobre evolução dos animais metaméricos:

La Mer (O Mar)
On the shore I found an answer
Buried in the sand, circles filled with treasure
I took it home to keep it safe
Little spiral in my hand
The stories you can tell
Never cease to captivate me
Just a simple shell
You came out of the sea
Now you belong to me
I hold it close - I know there are many more
It's like a gallery - down on the ocean floor
Shapes and patterns infinite - spelling clues to history
I lie awake knowing who I am
My dreams now seem to make sense again

Eu também acordei e sei quem sou! Sonho com os mares de milhões de anos atrás, quando éramos vermes!!!

Para saber mais:
http://www.scielo.br/pdf/rbzool/v20n1/v20n1a06.pdf
http://news.bbc.co.uk/1/hi/sci/tech/299010.stm

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